Ver, ouvir, tocar, cheirar, sentir.
Os famosos cinco sentidos humanos são conhecidos desde a era A.C.
Aristóteles, filósofo grego que nasceu em 384 a.C., esboçou a compreensão de que os seres humanos possuem sentidos e que estes são necessários para a compreensão e apreensão do mundo.
Pelo menos esses cinco sentidos que conhecemos a partir da nossa vã e limitada filosofia.
Há quem fale hoje de até sete, oito sentidos, maioria dos quais sequer conhecidos por nós.
Agora, me perguntem. O que tem a ver Aristóteles, sentidos, filosofia e futebol?
Depende de quem sente, mas para mim há bastante coisa em comum.
Essa semana vários sentimentos e lembranças permearam meu universo tricolor.
A fase do Fluminense, as notícias, os elogios, as expectativas e, o que há muito não havia, o time sendo colocado como favorito na maioria das casas de apostas e canais de esportes.
Além disso, outras duas coisas cruzaram meu pensamento feito cometa no céu.
A primeira delas, o Dia do Goleiro, comemorado no último 26 de abril.
Tivemos um programa do PANORAMA Delas emocionante ao lembrar dos goleiros que fizeram a nossa cabeça. No Flu e fora dele.
E nesse ensaio de resgate memorial, lembrei-me daquele que talvez tenha sido o primeiro goleiro de quem me recordo no Fluminense. Wendell Lucena Ramalho ou só Wendell.
Pernambucano de Recife, defendeu o Flu entre 1977 e 1979. Também foi goleiro da Seleção Brasileira entre 1973 e 1974. Posteriormente, aposentado sob a trave, trabalhou como preparador de goleiros da Seleção.
Conquistou, como arqueiro tricolor, o campeonato Teresa Herrera, em 1977. Para quem não lembra, o Teresa Herrera é um torneio internacional, disputado anualmente na Espanha desde os anos 40 e que reúne times convidados de vários continentes. Geralmente, times que conquistaram torneios importantes nas suas ligas.
Cabelos encaracolados à moda dos anos 70, Wendell foi contemporâneo no Fluminense de figuras icônicas como Edinho, Carlos Alberto Pintinho, Zezé, Doval e Rivelino.
Bom de papo, rendeu muitas histórias no futebol brasileiro e, não fosse uma contusão que o afastou da Copa do Mundo de 1974, provavelmente teria sido o titular da Seleção Brasileira à época.
Durante o período da sua passagem pelo Fluminense, lembro do quanto eu ouvia o seu nome. Achava sonoro: Wendell!
Combinava com outros nomes tão sonoros quanto. Pense aí nessa escalação falada em voz alta: Wendell, Rubens Galaxe, Tadeu, Edinho e Marinho Chagas; Luis Carlos, Kleber, Rivelino, Doval e Zezé.
Combinava, meus tricolores. Wendell combinava com o Fluminense. Assim como combinou com outros grandes clubes que defendeu, a exemplo de Santa Cruz e Botafogo.
Goleiro clássico, discreto, seguro e elegante, Wendell permeava minha audição, de tanto que ouvia seu nome no radinho de pilha.
Mas foi numa imagem colorida e inesquecível que fixei a rosto de Wendell na memória.
No final dos anos 70 e início dos anos 80, a famosa marca de chiclete Ping Pong foi estampada numa coleção de cards, com fotos de jogadores dos principais clubes brasileiros.
A coleção mais bonita e cheirosa já lançada no Brasil se chamava Futebol Cards.
Em pouco tempo, virou uma febre entre a criançada que gostava de futebol.
Imaginem vocês num tempo em que não havia internet, aliás mal havia televisão. Os cards chegavam ao interior do Brasil, onde eu morava, pelas maravilhosas e inigualáveis bancas de revista.
Os cards vinham num envelope comprido e fechado. Dentro, uma barra fina de chiclete, cheirosíssimo. Colado no chiclete estavam as figuras dos jogadores. Eram figuras individuais com a foto do jogador na frente e no verso havia a descrição mais pueril, simpática e cotidiana já produzida sobre a vida dos atletas. Havia perguntas, por exemplo, sobre prato preferido, passatempo e superstição.
Abrir aqueles envelopes, descortinar as fotos dos jogadores, colecionar os times, tomar conhecimento dos elencos, organizar a coleção e tudo isso com aquele cheiro de tutti frutti que permanecia nas figuras, era uma espécie de mergulho no prazer. Se brincar, até hoje esse cheiro continua tatuado nos cards que ainda resistem Brasil afora.
Todos os meus sentidos estavam colocados nessas experiências.
Ouvir a sonoridade do nome Wendell. Depois conhecer sua imagem pelo Futebol Cards e, por fim, olhar, tocar, cheirar as figuras para, finalmente, saborear aquela barra fina de chiclete. Era uma agudeza completa dos sentidos.
E se isso não for filosofia, eu não sei o que é. Se isso não for futebol, sei menos ainda.
Nessa semana de memórias sensoriais e afetivas quero reafirmar a grandeza do Fluminense, cuja história se construiu em grandes momentos, largos passos e fortes atos.
Todas as defesas institucionais frente aos ataques grotescos à instituição Fluminense Futebol Clube dessa semana, já foram feitas.
Cumpre lembrar que quem incita o ódio tem conduta passível de punição.
Cumpre lembrar, ainda, que as melhores recordações são as que chegam pelos sentidos.
E, nesse sentido, que o Flu siga seu caminho de construir figuras como Wendell, com capacidade de revelar os nossos melhores sentimentos.