Doutor Horta, nestes dias de minha vida, pensar no senhor é uma referência.
Cheguei até aqui por causa do seu trabalho insuperável na presidência do Fluminense. Melhor dizendo, imortal.
Quando aqueles senhores me jogaram para cima no baile da Máquina sobre o Vasco em 1975, confesso que me incomodou não comer direito o cachorro quente. Só mais tarde fui entender o que era tudo aquilo. O Maracanã dos astronautas que vendiam refrigerantes. Da geral dos admiráveis banguelas. Outro mundo.
A Máquina fez quarenta anos. Parece que foi ontem. O sonho ainda está vivo demais. É claro que os reducionistas vão falar das dívidas, que ganhou “pouco”, que o troca-troca foi injusto. Nada que um pouquinho de aulas de História com agá maiúsculo não solucione. Quanto custa um sonho?
Tem preço?
O sonho ainda está vivo demais.
Outro dia nos encontramos no clube, quando eu ainda o frequentava e nele só via fidalguia, caráter e respeito. Era o lançamento do livro do Garcez em sua homenagem, que tive o orgulho em prefaciar. O Luizinho fez o maravilhoso posfácio. O senhor tinha razão: era mesmo um tributo ao amor.
Amor mesmo, aquele que tem defeitos, rugas, varizes e cabelos brancos, muito longe da empáfia oca dos tempos modernos. Quem não erra, mente.
Quem não erra, mente.
Eu quase não vi a Máquina. Garcez e Luizinho nem eram nascidos. O livro foi uma prova inequívoca do seu sucesso, Doutor Horta. Gente que não viu seus feitos soube aprendê-los.
De lá para cá, vivemos céus e infernos. Dor, drama e glória. Varandas na Atlântica e mafuás subterrâneos. O senhor sabe melhor do que ninguém.
Volto ao lançamento. A sua generosidade em atender dezenas de leitores, recusando-se a autografar antes do genial autor. Gesto de um verdadeiro lorde. No final, a torcida gritando seu nome. Olhei para o lado, umas quinze pessoas berrando. Poucos eram nascidos nos tempos de Renato, Carlos Alberto Torres, Edinho, Gil, Doval, Pintinho, Rivellino e o resto da lista telefônica.
A Máquina dos sonhos.
Doutor Horta, na tarde de ontem pensei muito no senhor. Pequenas elucubrações. O que seria da Máquina se tivesse uma Unimed? Ou se existissem os patrocínios nas camisas e as cotas da televisão? E o insuperável carisma do presidente nas mensagens institucionais via Youtube, Facebook e congêneres? Ou quando o presidente fosse convocado a resolver uma injustiça? Uma infâmia?
Tive a certeza de que o senhor é insuperável.
Ao maior de todos, não basta ter títulos. É preciso carisma, personalidade, fraternidade e, principalmente, humildade.
Humildade.
Neste futebol brasileiro insano, de hipocrisias, feudos e rái socáites chinfrins, onde o pedantismo é confundido com sofisticação, nada soa parecido. Nada.
Doutor Horta, o meu lema será sempre o seu: vencer ou vencer.
Um clube de futebol não pode se resumir a ativos, passivos (sem trocadilhos) e números. Ele é feito de gente, e precisa que seja gente boa, que faça o bem, que promova a paz, que acenda nos seus torcedores a chama da paixão mesmo quando não se ganha títulos, que vista a camisa não somente no campo, mas nos escritórios, salões, almoxarifados e arredores. Gente, não algarismos.
Nada contra números. Tenho familiaridades com eles, ao contrário de certos parlapatões. Apenas uma posição. Gente é gente. Scouts, depende da análise conjuntural.
Troféus, o Fluminense tem aos montes como outros colossos do futebol brasileiro. O que sempre lhe diferenciou foi a estirpe. O élan. A personalidade. A minoria sofisticada e gigante, desimportando a classe social – falemos dos Guinle e de Cartola, por exemplo. Somos diferentes ou, ao menos, um dia fomos. Charme, caráter e postura. Gente que dizia “Bom dia”, que respeitava um irmão de arquibancada, não levando em conta suas vestes ou conta bancária.
Tudo o que vive num mundo de sonhos e fantasia, elegância e fé.
Doutor Horta, obrigado por tudo. Quem me dera o senhor de volta com a energia de quarenta anos atrás e sem uma Santa Casa sobre os ombros.
Cheguei até aqui. Irei em frente. Mas o senhor é meu guia. O lema é o mesmo.
Vencer ou vencer.
Certa vez, o monumental tricolor Tom Jobim declarou: “O Brasil não é para amadores”.
Pensando em nosso Fluminense, certa analogia faz completo sentido.
Conte sempre comigo, Doutor Horta. Um homem de bem não trai sua infância, como ensinou Cacaso.
Vencer ou vencer.
No futebol, títulos definem os gigantes. Caráter, os eternos.
Paro por aqui. Nesta semana já escrevi palavrões demais.
Para Gustavo Albuquerque, Dhaniel Cohen e Heitor D’Alincourt
Panorama Tricolor
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Imagem: sportv/jmg