Amigos, amigas, tudo que o futebol do Rio de Janeiro tem experimentado nos últimos anos converge para o acirramento da rivalidade entre Fluminense e Dissidentes. Os Café com Leite, graças ao patrocínio das Organizações Globo, foram alçados ao posto de protagonistas no futebol brasileiro e sul-americano. O Prêmio Nobel do Esporte, graças ao esplendoroso trabalho feito em Xerém, sobrevive à mutilação do futebol carioca, que vem tragando Vasco e Botafogo de forma cruel.
Quando a gente olha com certo desdém para o Campeonato Fluminense de Futebol, esse mesmo, comandado pela Ferj, não é, efetivamente, um desprezo pela história da competição. O Rio de Janeiro, no futebol mundial, tem o peso de um país. Na história do futebol do Rio de Janeiro talvez caibam uma Espanha e uma Alemanha juntas. Razão pela qual o Campeonato Fluminense, outrora Campeonato Carioca, deveria ser mais respeitado.
Ao contrário, o que vimos depois da virada de mesa do tri em dois anos, no final da década de 70, foi o avanço do gangsterismo sobre a grandiosa competição, que tantas vezes reuniu multidões contadas com seis dígitos. Desde então, papeletas amarelas, ladrilheiros, torcidas organizadas orientadas para intimidar torcedores adversários e campeonatos decididos no apito amigo foram minando a credibilidade da competição.
Ao mesmo tempo em que a visão de rivalidade se expandiu para além das fronteiras fluminenses, com o fortalecimento das competições nacionais e a valorização, pelos clubes brasileiros, da Libertadores. E é nesse cenário que o Fla-Flu de ontem, um sábado à noite (vá tentar entender!) resgatou um pouco da mística dessa competição, como foi no ano passado.
E a razão para esse resgate atende pelo nome de Fluminense Football Club. Pois eis que passamos a semana reafirmando o favoritismo dos Dissidentes, atuais bicampeões brasileiros, com um time recheado de jogadores num patamar bastante elevado para os padrões do futebol brasileiro, um futebol que se recusa a se valorizar, a ter, que seja, uma liga decente.
O Fluminense de ontem, mais uma vez, mostrou que há quem se recuse a aceitar a realidade fabricada em gabinetes e manipulações jornalísticas. O Fluminense, esse notável Fluminense, que se atreve, não só a ir à Libertadores, mas também a liderar o seu grupo, tido por muitos como o grupo da morte.
O Fluminense, na noite de deste sábado, se repetiu. A partida parecia um videotape do jogo de quarta-feira, pela Libertadores, contra o Santa Fé. Ao contrário do que tenho ouvido, o Fluminense não se acovarda diante dos adversários. Não é essa a razão de sermos dominados pelos adversários e, a muito custo, conseguirmos ao menos controlar o jogo.
Roger trocou Luis Henrique por Gabriel Teixeira. Antes mesmo de começar o jogo eu já previa tal decisão como medida inócua. O famoso seis por meia dúzia, mas a gente ainda perdia um pouco. Não que Gabriel Teixeira não seja um jogadoraço, mas porque Luis Henrique é a principal bola de segurança de um Fluminense que não constrói por dentro e vive de tentar as saídas pelo lado do campo.
A repetida temeridade de Roger Machado é continuar escalando Nenê e Fred como nossos homens mais avançados, privando o Fluminense da capacidade de contra-atacar, sobrecarregando os volantes, tanto na marcação quanto na transição, e abrindo buracos em nossas linhas sempre que tentamos avançar a marcação.
Os Café com Leite poderiam ter liquidado o jogo no primeiro tempo, mas suas principais peças viviam uma noite de futebol mecânico. Bruno Henrique, Arrascaeta e Éverton Ribeiro não chegaram a jogar mal, mas também não agregaram inspiração às ações rubro-negras. Não, não foi salto alto, foi só falta de inspiração. Pior foi o Fluminense. Além de todos os problemas táticos causados pelas escolhas de Roger, a Nenê e Fred, ao contrário dos rubro-negros, faltou muito mais que inspiração. Ambos jogaram muito mal, a tal ponto que Roger, revendo seus procedimentos, tirou Nenê no intervalo para colocar Cazares.
Por que a entrada de Cazares faz o Fluminense melhorar? Muito simples. A entrada de Cazares ativa um setor morto no Fluminense, que é o meio de campo. Cazares, independente de jogar bem ou mal, ser melhor ou pior que Nenê, se aproxima dos volantes, dá opção de passe e faz o jogo fluir. Foi o que aconteceu na segunda etapa, mudando o jogo da água para o vinho.
Mas a grande virada no jogo aconteceu quando Roger trocou, de uma só vez, o que eu nem gosto muito, todo o ataque. Com Fred, Luis Henrique e Caio Paulista, o time do Fluminense ganhou altura e imposição física, o que desestabilizou o jogo do Flamengo, que perdia Diego, o maestro do meio de campo, cansado e pendurado.
Com o meio de campo funcionando e o time pressionando a saída de bola café com leite, o Fluminense viveu seu melhor momento na partida, roubando bolas, provocando erros do Flamengo e trabalhando o jogo a partir da intermediária, o que não ocorrera na maior parte do jogo até então.
O que o Fluminense fez, então, foi ressignificar o jogo, ressignificar o Fla-Flu e o campeonato. Logo após o gol de Abel Hernández, com assistência de Luis Henrique, após lançamento de Egídio, Luis Henrique quase vira o marcador ao arrematar para o gol quando deveria ter dado um tapa para dentro e matado o goleiro adversário na corrida.
Mas a gente não pode crucificar Luis Henrique por isso, porque fez uma grande partida, ajudando a mudar a dinâmica de jogo do Fluminense. Aliás, não há nada que justifique abrir mão de Luis Henrique entre os titulares, exceto por questões que só a fisiologia entende. Na minha visão, Luis Henrique deveria ser deslocado para a lateral-esquerda, com a entrada de Gabriel no lugar de Egídio, o que nos deixaria com um lado esquerdo diabólico ofensivamente.
Porque Egídio, em que pese o lance do gol, é uma ameaça constante à nossa defesa. Conseguiu, no primeiro tempo, perder a bola e ainda cometer um pênalti infantil no lance do gol do Flamengo. No segundo, quase ligou um contra-ataque num erro de passe inaceitável para um jogador experiente.
Aliás, como o Fla-Flu é um ambiente perfeito para vilões virarem craques, quase que o lateral tricolor deu uma assistência para gol de Caio Paulista após jogada espetacular de Luis Henrique.
Agora, eu não sei se foi a presença do Casal 20 na arquibancada, mas a jogada do nosso gol lembrou muito as exibições dos dois elegantes negões dançarinos da Broadway. Tabela de cabeça e bola no saco. Muita cara de Fla-Flu, né?
Cazares no lugar de Nenê e Luis Henrique no lugar de Egídio. Duas substituições para acabar com essa síndrome do primeiro tempo. Sempre guardando o Caio Paulista e o Abel para o segundo tempo, que é para trabalhar a imposição física no último terço do jogo. Acredito que com essa lógica o Fluminense consiga pulverizar o decantado, e reconhecido, favoritismo rubro-negro.
Não tem essa história de que os Dissidentes não são o bicho-papão. Eles são o bicho-papão, sim, mas nós somos o Fluminense, e Fluminense não tem medo de bicho-papão, mula sem cabeça, loira do banheiro ou o que quer que seja.
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Todos nós ainda estamos indignados com o que aconteceu no Ninho do Urubu, que tirou a vida daqueles adolescentes. É uma tragédia que sempre vai doer em todos nós, mas eu acho que isso não pode e não deve ser argumento para insultar o adversário.
A tragédia é de todos nós. O que se deve exigir é que tal fato traga consequências para os responsáveis, que eles sejam identificados e que paguem pela negligência. Afinal de contas, não estamos falando do gol legal do Dodô anulado em 2008, do gol do título em impedimento contra o Vasco em 2016 ou do empurrão não marcado do Réver no Henrique em 2017. Estamos falando de vidas humanas, algo tão relativizado no Brasil em que vivemos.
Saudações Tricolores!
Luiz Henrique na lateral e Gabriel livre para infernizar a vida do isla. Seremos campeões!