Três cores e dois negros (por Walace Cestari)

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Muito se falou nos últimos dias sobre racismo e campanhas publicitárias. Entretanto, como costuma acontecer, os holofotes iluminam mais os cifrões das celebridades que propriamente o assunto noticiado. Jornalistas cavam histórias envolvendo as figuras de renome do esporte ou do show biz, e quase deixam passar os personagens importantes que estão dando sopa por aí.

Não houve alarde ou matérias especiais de página dupla, mas houve quem prestasse atenção que a história será feita no domingo: pela primeira vez, um Fla-Flu será comandado por dois treinadores negros. Em mais de cem anos de confrontos, chega a ser incrível que isso nunca tenha ocorrido. Não que Flamengo ou Fluminense jamais tenham empregado negros para a direção de seus clubes, mas porque técnicos negros são raridade no futebol brasileiro, que se diz repleto de “neguinhos bons de bola”.

O preconceito está exatamente na função de destaque. Ter um negro jogando bola, tudo bem, o talento fala por ele. Mas, no comando, parece que há ainda hoje uma enorme barreira a ser vencida. Poucos treinadores negros conseguiram destaque no mundo da bola e muitos denunciam o preconceito que sofrem, como Lula Pereira, que, em entrevista à revista Placar (http://placar.abril.com.br/materia/me-desculpe-voce-e-preto-tecnicos-negros-reclamam-de-racismo), revelou ter ouvido de empresários frases como esta: “o pessoal do clube gostou do seu perfil, mas, me desculpe, você é preto”. Triste realidade de um país que se diz acima do racismo.

Obviamente que há exemplos de grandes treinadores negros, em especial nos gigantes que se enfrentam domingo: o Flamengo já teve Carlinhos e Andrade como exemplos de quem passou da desconfiança ao mérito. Ambos foram empossados como interinos e terminaram campeões nacionais pelo rubro-negro. Jayme de Oliveira parece trilhar o mesmo caminho: de interino, alvo das incertezas de diretoria, torcida e, talvez até de jogadores, conquistou a Copa do Brasil do ano passado. Entretanto, como a vida de treinador é dura – e mais ainda quando se é negro – tem tido seu trabalho questionado desde a eliminação da Libertadores.

Pelo lado tricolor, também não faltam histórias de sucesso. Um dos mais folclóricos treinadores de todo o futebol brasileiro, Gentil Cardoso, comandou a equipe tricolor entre 1945 e 1947, sendo campeão carioca conosco em 1946, eternizando a frase: “Deem-me Ademir que lhes darei o campeonato”. E deu. Além de suas máximas usadas até hoje e de ter treinado todos os clubes tradicionais do Rio de Janeiro, foi o único negro a treinar a seleção brasileira – na verdade, uma seleção pernambucana apelidada de “Cacareco”, que representou o Brasil no Campeonato Sul-Americano de 1959. Treinou a amarelinha em cinco jogos, chegando ao terceiro lugar no torneio continental.

Outro grande treinador negro que passou pelas Laranjeiras foi o gênio Didi. O Príncipe Etíope, além das 298 partidas que fez com a camisa tricolor entre 1949 e 1956, incluindo o Campeonato Mundial de 1952, foi comandante da Máquina entre 1975 e 1976, vencendo o Campeonato Carioca e o Torneio Internacional de Viña del Mar. Didi conseguiu afirmar-se no cenário mundial do futebol como treinador, sagrando-se campeão peruano pelo Sporting Cristal e bicampeão turco pelo Fenerbahce. Guarda também o feito de ter levado a seleção do Peru à Copa do Mundo do México em 1970.

O caminho do êxito parece estar ao alcance de nosso comandante Cristóvão Borges. Volante tricolor por 101 jogos, campeão carioca em 1980, Cristóvão conhece bem as Laranjeiras, suas tradições e tem vocação para vencedor. De interino no Vasco, foi contratado pelo Bahia e mostrou ser um excelente planejador tático. No Fluminense, já mudou a cara de um time que parecia perdido, para uma equipe que parece ter a exata noção do que fazer. O título que lhe falta na carreira pode estar lhe aguardando nas cores da camisa em que viveu seus dias de glória.

Temos um comandante tranquilo, calmo e sereno. Fala manso com os jogadores e demonstra que comando tem a ver com entendimento. E ele sabe do riscado. Neste domingo, talvez enfrente a grande provação dos treinadores, o clássico regional. E não é qualquer clássico, é um Fla x Flu, um dos maiores jogos do planeta bola. Não aparenta, contudo, ansiedade alguma. Trabalho sério e focado para manter a posse de bola, trocar passes em velocidade e envolver o Flamengo. A certeza é a de que, junto a seu adversário, fará história no domingo: o duelo de dois treinadores negros à frente dos maiores campeões do Rio. Estádio cheio, expectativas e o imponderável: tudo para mostrar que somos todos fãs de futebol. E que valorizar os nossos é a verdadeira banana que se dá ao racismo.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Foto: http://radioglobo.globoradio.globo.com/

3 Comments

  1. Rods comenta:

    Meu amigo Walace, o rapaz rubro-negro que comentou acima é o tipo de torcedor insuportável. Seria assim mesmo que torcesse para qualquer outro.

    Aposto que nem se importa com a questão. Ele está usando um boato que ouviu, que pode ser mentira ou não, APENAS para nos provocar. Foi um grande amigo meu de faculdade, mas sua chatice futebolística é tamanha que tive que excluí-lo do meu Facebook.

    O pior é que sua desculpa para ser assim é o fato de ter sido sacaneado pelo tio tricolor após o gol de barriga de 95.

    Nossa melhor opção é ignorá-lo.

    Sem mais, aquele abraço!

    ST!

  2. Caro Mario,

    Estive no Maracanã no domingo. Não ouvi nenhum grito racista nas arquibancadas. Aliás, não me lembro de ter ouvido qualquer xingamento dirigido a qualquer jogador rubro-negro, tamanha a ausência de identificação dos atuais chutadores de bola da mais famosa dissidência.

    Se houve algo assim – o que penso não ter havido, pois, se ao lado da torcida tricolor não foi ouvido, não o seria do outro lado do estádio – mereceria todo o repúdio de todos, independentemente de quem o tenha…

  3. Mas e sobre a torcida do tricolor chamando o Negueba de macaco no domingo?

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