Torcida única: túmulo do futebol, estímulo à violência (por Paulo-Roberto Andel)

Se estas linhas estiverem defasadas por conta da mudança dos ventos no futebol carioca, perdoem-me. São nove da noite de quinta-feira. Somos o país das liminares, das delações controversas e seletivas, do jeitinho e das atitudes que nem sempre primam pela racionalidade. Não, não somos: o país pode ser assim, mas não por causa de todos nós.

O futebol brasileiro se tornou pentacampeão do mundo – mesmo com seus inúmeros percalços – quando, a partir dos anos 1940, os grandes estádios – não arenas – ocuparam o imaginário sonhado por boa parte dos brasileiros. Talento, festa, popularidade e uma chance única de colocar classes sociais diferentes juntas num mesmo lugar. E irmanadas. Da tragédia de 1950 à apoteose de 1970, decolamos em segundos para a Via Láctea.

Contudo, para povoar as imensas praças do futebol brasileiro, antes nasceram os clássicos, sendo o primeiro deles Fluminense x Botafogo. Mas o jogo mais emblemático do futebol brasileiro é o Fla x Flu. Pela sua gênese, trajetória, a definição Karamazov tão bem descrita pelo gênio Nelson Rodrigues – não esqueçamos de Mário Filho -, as cores, os dramas, as festas, os lances inesquecíveis. O Fla x Flu sobrevive firme há 115 anos porque flamengos e fluminenses disputam a partida que nunca termina.

A violência que assola o Rio, aliás, o Brasil, não deixa ninguém infenso aos seus efeitos, e o futebol está neste mapa. Então, em vez das autoridades públicas tomarem a providência de coibir os crimes praticados em nome indevido de torcidas de futebol, a solução da vez é a grande ideia do ex-procurador e deputado Capez em São Paulo: que se faça a torcida única. Talvez se economize na merenda. Não, não se economiza.

É um desastre em todos os sentidos.

Destrói a sensação de clássico. Banaliza o grande jogo, o tornando comum, descartável. Dá vontade de trocar de canal.

Dado o avançar da noite, muita gente boa já se pronunciou sobre o assunto. Não é preciso nenhum aprofundamento. É evidente que não resolverá problema algum; apenas transfere o palco de eventuais cenas de violência, pelas quais todos os seres racionais torcem absolutamente contra. Não é exagero pensar nesta dita solução como uma sandice arquitetada por quem não tem a menor intimidade com o mundo dos estádios e torcidas. Uma decisão inócua.

Acompanho o Fluminense diariamente há trinta e nove anos, o que me permitiu ver grandes jogos clássicos com mais de 120 mil torcedores presentes, muitos deles em grandes embates contra o Flamengo. A magia daqueles anos incríveis no Maracanã é o que me trouxe até aqui. A minha linda torcida e a festa da rival do outro lado. Meu amor e respeito a todas as pequenas e médias agremiações, mas o meu amor ao futebol fincou estacas nos clássicos. Incluam o querido America nessa, que em 1979 tinha um super bandeirão e banhava de rubro o seu lado na arquibancada do extinto Maraca.

O detento Sérgio Cabral contribuiu decisivamente para a destruição da minha infância, erguendo um trambolhão no lugar do meu parque de diversões – meu e de dezenas de milhares de garotos. Agora, a dita Justiça determina que o meu Fla x Flu passa a ser vazio x Flu. Eu não vou desistir porque tenho dois compromissos com o Fluminense: o amoroso e o literário. Mas que dá vontade, dá.

Em um momento razoável, um bom clássico no Engenhão poderia dar uns 40 mil torcedores. Tome cem arruaceiros de cada lado. Duzentos. E aí a respeitável autoridade quer me convencer que, para se resolver o problema da segurança pública no futebol, eu devo deixar os duzentos numa boa e banir vinte mil pessoas pacíficas do estádio, espalhando conflitos e insegurança por N + 1 pontos da cidade, todos longe do Engenhão. É isso, produção?

Imagine Assis correndo sozinho num estádio com meia lotação em 1983 e 1984. Ou Renato fazendo silêncio para ninguém depois do antológico gol de barriga em 1995. Imagine? Isso lá é coisa de se imaginar? Clássico só existe com a torcida rival do outro lado. Flamenguistas, vascaínos, botafoguenses, todos.

Quem ainda não percebeu que clássico com torcida única é o túmulo do futebol, por favor apague a luz do aeroporto. Para sempre.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: curvelo

2 Comments

  1. Pois é!
    E ninguém chama de incompetentes, os responsáveis pela segurança do Estado.

    ST

  2. Pois é Paulo. O correto e ninguém ir no jogo em protesto. Farei isso. Não vou apoiar essa palhaçada. Abraço

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