Tamanho da torcida do Fluminense: a lenda do 1% (por Paulo-Roberto Andel)

O assunto dá um livro inteiro de aberrações estatísticas ao longo de meio século, a começar por metodologias, amostragens e conotações diferentes. Basta dizer que um grande veículo jornalístico certa vez publicou uma pesquisa feita exclusivamente com homens, por entender que as torcedores fragilizavam o processo amostral. Durma-se com um barulho desses…

Tentarei simplificar ao longo dessa conversa.

Importante dizer: usando 1970 como referência, é natural imaginar o enorme avanço tecnológico até 2023, mas em termos de tecnologia da amostragem não há mudanças significativas. O que se tem agora é evidente vantagem no sistema de coletas e na agilidade do processamento de dados. Contudo, falhas de captação sempre podem acontecer. Um exemplo mais recente foi em 2018, na eleição para o Governo do Estado do Rio de Janeiro. O candidato eleito, Wilson Witzel, sequer aparecia nas intenções de voto no primeiro turno…

Nos últimos anos, o Fluminense vem sendo classificado em pesquisas distintas como um time na margem de 1 a 2% de torcedores no país, conforme o caso, a amostragem e os intervalos de confiança. É um tema que chama atenção porque o Tricolor, pioneiro do futebol brasileiro, é um time de alcance nacional desde a Era do Rádio, assim como as demais grandes agremiações cariocas. Uma simples espiada nas redes sociais mostra que o Fluminense tem grupos organizados de torcida em todas as Unidades da Federação. No passado, em estados como o Espírito Santo e Alagoas, o Flu sempre teve torcida expressiva. Todos os sites da imprensa e opinião dedicados ao Fluminense, bem como influencers de porte, gozam de audiência nacional.

Justamente por sua visibilidade histórica, o Fluminense teve centenas de milhares de pais e mães cativando seus filhos e netos para a torcida tricolor. Fato natural em todas as famílias que gostam de futebol, pois muito dificilmente o chefe de família não trabalha pela continuidade da torcida em casa.

Por outro lado, não houve nenhum fato atípico que justificasse uma perda abrupta da massa de torcedores. Absolutamente nenhum. Importante dizer que, no pior ano de sua história, 1999, o Fluminense estava entre os cinco maiores públicos do futebol brasileiro e com imensa repercussão nacional. Imediatamente voltou a ser protagonista, disputou vários títulos nacionais – vencendo três – e nos últimos 14 anos teve um grande ídolo que certamente contribuiu para o aumento da torcida: Fred. Nos últimos dois anos, o Tricolor tem uma quantidade de jogos com grande público talvez só comparáveis à melhor média de sua história, com mais de 40.000 pagantes em 1976. Falando nisso, quantas gerações de torcedores tricolores não surgiram com os times de 1969 a 1973, a Máquina Tricolor, o jovem time de 1980 e o tricampeão 1983-1985.

Ok, até aqui falei de impressões. Vamos tratar de números.

Em 1971, campeão carioca, brasileiro e dotado de craques campeões mundiais, o Fluminense tinha 16% da torcida na cidade do Rio de Janeiro, à frente do Botafogo (14%), atrás de Vasco (18%) e Flamengo (35%), segundo dados do Instituto Gallup publicados na Revista Placar em 32/12 daquele ano.

A população da cidade do Rio de Janeiro em 1970 (estimativa próxima) era de 4.251.918 pessoas. O estimador tricolor era de 680.306 torcedores somente no município do Rio. A expectativa de vida média do brasileiro era de 57 anos.

Damos um salto no tempo e chegamos a 2022. Na cidade do Rio de Janeiro temos uma população de 6.211.423 pessoas, o que significa um aumento de 46% em relação a 1970. Estimando que esse crescimento médio valha para todas as torcidas, o que seria até mesmo uma distribuição normal em cada estrato de clube, era de se esperar que o Fluminense tivesse 680.306 x 1,46%, com 993.247 torcedores apenas na cidade do Rio de Janeiro, um número muito próximo de um milhão apenas na capital Fluminense. Lembremos que a Região Metropolitana em 2022 tinha a estimativa de 13.191.031 habitantes, quase o dobro da capital. Se fizermos a diferença, temos mais 6.979.608 dentro dos outros municípios da Região Metropolitana do Rio. Bom, se estimarmos que se mantenha a proporção dos 16% de tricolores da capital, cogita-se mais 1.116.737 torcedores do Fluminense na Região Metropolitana.

Ok, é apenas um palpite, não se trata de uma amostra testada e validada com parâmetros e intervalos de confiança. É importante ter isso em mente. Mas não é absurdo uma proporção parecida, dado que o Fluminense notoriamente movimenta imensa torcida na Baixada Fluminense e ramificações.

Somados os estimadores da capital + RM, temos 993.247 + 1.116.737 = 2.109.984 de tricolores na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Vamos guardar esse número 2.109.984.

Reitere-se: o Fluminense é um time de alcance nacional, é disseminado pelo país desde a Era do Rádio e ganhou torcida por todo o país, assim como seus grandes rivais locais, conquistou dezenas de títulos, teve grandes ídolos. Todos esses fatores justificam não apenas a manutenção mas a ampliação da população torcedora. Importante dizer que nem os recentes dez anos sem títulos de maior expressão não impactam terrivelmente a formação de torcida, por um motivo simples: o fator Fred certamente atenuou a queda populacional, afora o recente bicampeonato estadual e as participações sucessivas na Copa Libertadores e duas boas campanhas no Brasileiro. É claro que ficar sem títulos é um problema para qualquer time, mas é impensável que alcance percentuais expressivos justamente porque a formação do torcedor não se limita a resultados: basta lembrar que Botafogo e Corinthians foram times que atravessaram duas décadas sem títulos e mesmo assim cresceram. Por sua vez, o Vasco vem de muitos anos num processo sacrificado, com vários rebaixamentos e sua enorme torcida não foi abalroada.

Nos últimos anos, o Fluminense comumente é encaixado na última faixa de popularidade da série A em diversos levantamentos de institutos distintos, ao lado de clubes que, embora importantes, respeitáveis e em franco crescimento, não possuem a força midiática do Fluminense desde as primeiras décadas do século XX até hoje.

O instituto Datafolha acaba de publicar o Fluminense na lista dos times com 1% de torcedores no Brasil. A estimativa de hoje para a população brasileira é de 203.062.512. Partindo dessa premissa, o Fluminense teria cerca de 2.030.000 de torcedores.

Tecnicamente, o número de entrevistas, a margem de erro e o intervalo de confiança estão absolutamente normais. Agora, quanto à questão da amostra de municípios, qual foi exatamente o critério adotado? A amostra atendeu a estratos estaduais e diferentes PIBs municipais, por exemplo? Como foi a estratificação?

E aí, caros amigos, algumas coisas fazem pensar.

Vamos lá em cima buscar aquele número estimado de tricolores na Região Metropolitana do Rio de Janeiro: 2.109.984. Ele é maior do que a estimativa nacional do Datafolha.

Ok, vamos admitir que a estimativa RM foi muito inflada. Que tal cortar uns 20 ou 30%? E se o Fluminense tivesse uma mortalidade (absurda) de 600.000 torcedores em 50 anos (…)? Vamos baixar a estimativa para 1.600.000 tricolores na RM? Vamos.

A se confirmar os dados Datafolha, parece razoável que, sem sequer contar o interior do Estado do Rio de Janeiro, o Fluminense tenha apenas 400 mil torcedores em um país continental, depois de décadas como uma forte expressão midiática do futebol brasileiro?

Algumas ponderações precisam ser feitas.

Em abril passado, o Fluminense se tornou o 20° clube no mundo em termos de interações digitais. No Brasil, o Flu alcançou 23,8 milhões de interações e o quinto lugar, atrás de Santos (24,2 milhões), Palmeiras (33,5 milhões), Corinthians (67,8 milhões) e Flamengo (87,4 milhões)

Tendo em tese uma torcida muito menor do que a dos outros clubes na lista, como se explica esta posição do Fluminense? É claro que não são variáveis diretamente correlacionadas, obviamente, mas chama a atenção de toda forma. No mínimo é uma curiosidade.

O mesmo vale para o Índice de Popularidade Digital aferido pelo Instituto Qaest, onde o Fluminense foi o quinto colocado em abril.

“O Fluminense pode ser considerado o fenômeno desse ranking do Índice de Popularidade Digital, pois não está entre as doze maiores torcidas do Brasil, mas tem papel de destaque nas redes”, analisa Felipe Nunes, diretor da Quaest.

Ok, mas qual a explicação do fenômeno então?

Longe de desmerecer os institutos e suas metodologias, o fato é que diversos acontecimentos sugerem um desalinhamento entre o movimento que a torcida do Fluminense gera e seu tamanho atestado por diversos institutos de pesquisa. No mínimo, é algo que precisa ser investigado e justificado. Só a torcida do Fluminense tem muito menos gente e muito mais mobilização apenas, ou o 1% é bem além do 1%?

Naturalmente, esta coluna não se ateve a profundidades da metodologia estatística e sequer precisava, porque os dados apresentados a olho nu já causam curiosidade. De toda forma, é preciso identificar o que aconteceu para o Fluminense ter se tornado o único dos times nacionais que, teoricamente, não teria torcedores fora de seu estado natal – isso, segundo diversos institutos de pesquisa. Porém, a internet e os movimentos no Maracanã deixam claro que a torcida interestadual é expressiva sim, e é fundamental apurar as estatísticas a respeito.

Em tempo: uma improvável mortandade de tricolores não faria sentido para justificar alguns números de instituições sobre o tamanho da torcida do Fluminense. Se a expectativa de vida no Brasil 1970 era de 57 anos, em 2023 é de 76 anos, com aumento de 33% no período. É uma distribuição normal por toda a população brasileira, e não há argumento plausível para que a torcida do Fluminense tenha perdido tamanho pela morte de sua população mais idosa.

Mesmo com eventuais problemas que acontecem na trajetória de qualquer grande clube, é só o Fluminense que não foram torcida jovem? O que está acontecendo, afinal?

Por fim, esta coluna se propôs tão somente a refletir o tema e possíveis respostas para perguntas, que se encontram suspensas no ar.

##########

Bacharel em Estatística pela UERJ, 1994, Paulo-Roberto Andel atuou por 26 anos no setor de Construção Civil com tratamento de dados estatísticos setoriais diversis, cálculo de índices, matérias jornalísticas/institucionais e o CUB – Custo Unitário Básico, referencial para custas cartorárias e legalização de imóveis em todo o Estado do Rio de Janeiro.

1 Comments

  1. ESTRANHARA E DESACREDITARA E AO LER ESSA EXCELENTE EXPOSIÇÃO DE TODOS OS MOTIVOS E INTEMPÉRIES CONFIRMO MINHA MAIS ABSOLUTA CERTEZA DE QUE O FLUMINENSE É MAIOR..

Comments are closed.