“Todo mundo erra sempre/ Todo mundo vai errar”
(“Velocidade da Luz”, Grupo Revelação.)
Tricolores de sangue grená, na última quinta-feira estive no clube para atender a um compromisso. No caminho, fiz o percurso de sempre para ir às Laranjeiras saindo do meu trabalho, na Penha: tomei o 630 até a estação da Penha, na Rua Nicarágua e, de lá, embarquei no 483, que vai pelo Túnel Santa Bárbara. O trajeto, não havendo engarrafamento, não é extremamente demorado, e eu costumo chegar ao meu destino quase sempre antes do horário marcado. Menos naquele dia.
Pois naquela tarde fatídica o motorista do Penha-Siqueira Campos, confuso com a reabertura do sentido Centro da Avenida Rodrigues Alves, tomou um caminho errado. Em vez de seguir pelo elevado e já cair direto no túnel, tomou a via beira-mar e viu-se fora do trajeto. Conclusão: perdemos praticamente uma hora no gigantesco engarrafamento das 18 horas do Centro. Não obstante, as pessoas já ficavam agitadas, acusavam o motorista por seu erro, alguns o xingavam ou lhe diziam impropérios. Ele se desculpava, coitado, admitindo seu erro, mas não era o bastante para aplacar a ira dos passageiros. Muitos foram descendo pelo caminho para tomar o metrô.
Quando finalmente estava chegando ao meu destino, levantei-me e fui até o motorista para lhe dizer as seguintes palavras: “não se abata com as críticas, pois errar é humano. Tenha uma boa viagem”. Eu fui surpreendido pelo novo sentido da Avenida Rodrigues Alves. Muitas pessoas sequer notaram que ele estava fora de seu trajeto até que ele já estivesse subindo a Avenida Presidente Vargas para pegar o elevado que conduzia ao túnel. Quantos não teriam cometido o mesmo erro dele? Após as minhas palavras, algumas pessoas – inclusive que o tinham xingado anteriormente – seguiram meu exemplo e o consolaram. Todos somos passíveis de erro.
E o que é o erro? Segundo o dicionário, é “uma consequência de uma ação inesperada, sem planejamento ou conhecimento. Pode ser uma falha humana ou de um equipamento”. Desta maneira, o erro humano, que nos interessa de fato em termos de Fluminense, acontece por uma aposta (chance de erro consciente) ou por julgamento inadequado (erro inconsciente). Não existe erro quando uma ação produz um resultado premeditado, em que o autor da ação não o enxergue como tal. Nesse caso, o mesmo é aparente a outrem, mas considerado um “acerto” por seu perpetrador. Este é o tipo de “erro” mais tóxico: o intencional.
O “caso Marlon”, da maneira que foi conduzido; a venda de Fred por uma mixaria, da maneira que ocorreu, considerando-se a dinheirama que agora os cofres do Flu estão derramando nas contratações; ceder Edson Passos para o Flamengo jogar, depois de tanto investimento; contratar um sem-número de atacantes, vários deles questionáveis, como Rojas e Ceifador, inchando o elenco; oferecer dezenas de milhões de reais por um jogador, em um momento de crise, e após se justificar da venda do maior ídolo recente da história do clube por questões financeiras; o CT, da forma como está sendo feito, com notas promissórias para qa próxima gestão pagar ao vice de projetos especiais; o Fluminense eslovaco, que começa a receber nossos destaques da base, inclusive o capitão do time sub-20, que poderia reforçar o time de cima; a pré-temporada na Florida Cup, com todo o oba-oba da Disney e a suposta exposição da marca sendo um saco de pancadas; a contratação de Marquinho, jogador de raça inegável, mas que disputou apenas 111 partidas nas últimas seis temporadas, estava no mundo árabe e fez apenas 30 jogos nos últimos dois anos – todos estes fatos consistem em erros ou acertos?
Sim, é provável que alguns sejam erros, outros acertos. Eu posso estar completamente errado. Mas sabem quem nunca está? A atual gestão. Infelizmente, tanto o presidente quanto aqueles que o apoiam diretamente – ou que deveriam apoiá-lo – jamais estão errados. Em qualquer circunstância, há sempre a empáfia. A culpa é dos outros. Sempre. E isso nos faz pensar que talvez seja intencional. Afinal, qual é o problema de se assumir o erro? Falta humildade no Fluminense de hoje. Humildade para reconhecer que o trem tricolor está fora dos trilhos, sim, e precisa ser reconduzido ao seu caminho de sempre. Para entender e aceitar ajuda externa, de quem entende. É preciso colocar, parafraseando várias pessoas que já disseram isso, “os melhores nas melhores posições”. É a única saída para não repetirmos, em algum momento, seja este ano, ou em breve, 1997.
O Fluminense completa “onzenta e quatro” anos (como diria Tolkien) amanhã e eu queria poder falar somente do aniversário do clube, de sua tradição, de sua perenidade, de seu gigantismo. Mas urge pensarmos nos próximos cento e quatorze anos a partir de já, pois o Fluminense não chegou até aqui vivendo apenas de presente ou de aparências. E isso vai muito além de apenas a construção de um Centro de Treinamentos. É preciso resgatar, desde já, a identidade tricolor que está se perdendo. E o primeiro passo para isso é admitir o erro e tentar corrigí-lo. Há tempo.
Panorama Tricolor
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