Quando comecei a acompanhar futebol, no final dos anos 70, praticamente nenhum dos treinadores das grandes equipes do futebol brasileiro declarava seu time de coração, devido a razões profissionais: isso poderia criar uma indisposição com a torcida.
Um deles quebrava a regra: Telê Santana.
Recém-saído do Grêmio, o herói do Fluminense – campeão do mundo em 1952 e à beira do campo no espetacular 3 a 2 de 1969 – quando iniciou a lida de treinador – comandava um timaço do Palmeiras que, mesmo sem conquistar títulos, ficou na memória de seus torcedores: Gilmar, Rosemiro, Beto Fuscão, Polozi e Pedrinho; Pires, Mococa e Jorge Mendonça; Jorginho, César e Baroninho. Com essa escalação, Telê dirigiu uma das vitórias mais espetaculares daquele tempo: 4 a 1 sobre a Gávea, pelo Campeonato Brasileiro de 1979.
Estive no Maracanã nessa ocasião e, ao que me lembre, foi a segunda vez que fui a um jogo de futebol que não fosse do Fluminense, levado pela mão por meu pai Helio (antes, havíamos visto um Flamengo x Campo Grande, donde concluo que, embora jamais tenhamos tocado no assunto, ele era chegado a uma divertida secada no rival), nós devidamente agrupados entre os esmeraldinos.
A atuação palmeirense daquela tarde com mais de cem mil torcedores no Maraca, em especial no segundo tempo, foi tão espetacular que ali, mesmo que por um momento breve, renasceu o futebol brasileiro em termos internacionais – imediatamente Telê foi convidado a dirigir a Seleção Brasileira que, por dois anos, deixou o mundo boquiaberto até que veio a poderosa Itália – que só os reducionistas tratam como inferior – e o sonho acabou.
Depois, a eterna perseguição midiática contra Telê, principalmente depois da Copa de 1986, acusando-o ridiculamente de pé frio, foi pelos ares quando ele dirigiu o São Paulo e ganhou tudo o que podia.
Felizmente, em vida, ainda teve todo o carinho e o respeito que merecia, sendo figura primordial em Laranjeiras no dia do centenário do clube em 2002 – e foi tratado com justiça como uma celebridade de Hollywood naquela ocasião.
Bem antes de se tornar uma legenda entre os treinadores de futebol no Brasil – o único a ganhar campeonatos nos quatro principais centros de futebol do país (Rio, São Paulo, Minas e Rio Grande do Sul), Telê foi um dos maiores jogadores da história do Fluminense.
Jogou praticamente toda a década de 50, sendo campeão carioca em 1951 e 1959, campeão do Rio-São Paulo em 1957 e 1960. Vestiu a camisa do Flu em 559 partidas, marcando 165 gols – é hoje o terceiro maior artilheiro da história do clube, atrás apenas de Orlando Pingo de Ouro (com 184) e Waldo (com inalcançáveis 319). Em termos de número de partidas disputadas, só perde para Pinheiro (603) e Castilho (697). Os números falam por si: um gigante.
Mas o que fez de Telê uma página eterna da história do Fluminense, bem traduzida no apelido de Fio de Esperança, não está somente nas estatísticas impressionantes como jogador do time, mas também no amor que sempre declarou publicamente pelas nossas cores, até mesmo quando treinava outras equipes e, na ocasião, precisava enfrentar o Tricolor. Extremamente profissional, mas despido de qualquer hipocrisia ao falar do time do seu coração. Antes, bem antes, já tinha mostrado em campo: jogando pelo Madureira contra o Flu, marcou um gol, não comemorou e chorou. O resumo é de cada um.
Telê faz parte de uma longa linhagem, que remete a gigantes como Marcos Carneiro de Mendonça, Preguinho, Castilho, Pinheiro, Altair, Denílson, Edinho, Assis, Renato Gaúcho, Marcão, Conca, entre outros – jogadores que fizeram questão de tratar, cada um ao seu modo e tempo, a camisa do Fluminense como se fosse a própria pele, correndo, disputando, suando o tempo todo.
É preciso repetir sempre e depois do sempre a respeito do mito, de forma obsessiva e perene.
Hoje, Telê completa 84 anos. E que ninguém pense em me corrigir, dado o fato de que, de corpo ele faleceu – aliás, deveria ter sido proibido disso.
Os ídolos são para sempre, os clássicos são eternos.
Coluna originalmente publicada em 26/07/2014
Panorama Tricolor
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Imagem: google/FFC
Em memória de Maria de Lourdes Andel (26/07/1945-03/01/2007)
Sempre comovente Andel! ST