Sobre ontem à noite (por Paulo-Roberto Andel)

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Confesso que acompanhar a promessa da coletiva sobre a saída de Fred se deveu mais à obrigação moral do PANORAMA. Explico: acho estranho demais que um ídolo se despeça do clube em tons tão formais, embora entenda as modernidades do futebol de hoje. Depois de sete anos de uma rica história, o sujeito à frente de um microfone, contando sobriamente uma história que seria de pura emoção nos modelos enlatados estadunidenses? Não sei. As pessoas precisam refletir que o futebol precisa ser profissionalizado ao máximo, mas sem esquecer de que seu mundo corporativo não é o mesmo de um banco ou uma fábrica. Não havia tempo? Nunca há.

O Fluminense é diferente demais. Quem não lembra da torcida carregando Deley nos ombros em 2013? O mundo estava caindo, estávamos prestes ao pior dos cenários mas ali, nas Laranjeiras, o candidato derrotado nas eleições minutos antes era, acima de tudo, um ídolo de um dos grandes momentos de nossa história. Desconheço qualquer caso parecido com esse no futebol brasileiro, o que me dá mais orgulho ainda do escudo que amo.

Trocentas mil pessoas lotando o Maracanã na última rodada do Brasileiro de 2008, num empate insosso contra o Ipatinga. Era a última partida de Thiago Silva com nossa camisa, antes de ser consagrado mundialmente como um dos melhores zagueiros de seu tempo – só a mistura de prepotência e ignorância que atinge sujeitos rasos como Dunga não permite ver isso. Foi uma das partidas mais estranhas que já vi. Éramos milhares de torcedores apaixonados e desconfortáveis. Vi muita gente chorando o tempo todo. Não era só o Thiago Silva, mas todo aquele ano de emoções múltiplas, que verdadeiramente tinha começado em 2006, escapando de (mais) um rebaixamento. Vieram a Copa do Brasil, uma grande campanha no Brasileiro 2007, a inesquecível e injusta Libertadores – cheia de momentos fantásticos -, a dor, o drama, a nova sentença de morte jornalística e a superação. O período vivido pelo Fluminense entre 2006 e 2010 é um dos mais ricos emocionalmente na história do futebol mundial. Digno de cinema de Glauber.

Volto a ontem à noite. Não vou utilizar este espaço para politicagem barata. Todos os meus seis leitores sabem do apreço que eu tive no passado à gestão do presidente Peter e das críticas atuais, bem como do meu respeito pessoal à sua figura, infelizmente sem qualquer recíproca. O mesmo serve para Fred, ídolo de milhões, a quem reconheço como um dos gigantes contemporâneos do clube. Sou de outra geração, vi muita coisa por aí e, por isso, tenho outros heróis prediletos. Acontece que, dado o impacto da bomba que foi a saída do artilheiro, era de se esperar mesmo um momento emocionante pela TV, reconciliando personagens e torcedores, porque repito: não somos a multidão de uma fábrica de sardinhas ou de smartphones, voltada exclusivamente para o lucro de seus poucos acionistas. Somos Fluminense, tudo é muito mais do que isso.

Meia hora, uma hora, duas horas, três horas. Por fim, o presidente deu suas breves palavras em respeito à imprensa e nem me alongo muito na análise delas: não fazia sentido algum falar do hipotético novo estádio e do campeonato basileiro de balanços enquanto a tela era o foco da dor de milhões de tricolores. Parecia o sujeito que conta piadas no velório. Porém, Peter mostrou uma qualidade: a brevidade. E só. Sob a alegação de “pequenas pendências contratuais a serem acertadas”, Fred não apareceu. Ficou um gosto de vazio, de amargo, de gosto de cabo de guarda-chuva (à antiga) na boca. Não sei o que aconteceu nos bastidores e nem quero saber agora. Não me importa apontar culpados, erros, ingerências – quase tudo é muito claro -, mas apenas dizer que o processo dessa coletiva de ontem foi muito mal conduzido. Seja lá o que for, a torcida que tanto apoiou Fred e Peter nos momentos mais felizes – e também nos insucessos – merecia mais respeito. A prova do erro ficou evidente na clara insatisfação do próprio presidente, ao se despedir da imprensa com reiteradas desculpas.

Erros e acertos fazem parte do processo de todos nós. Fred e Peter, figuras marcantes do Fluminense contemporâneo, tiveram ontem a oportunidade de um acerto público de contas – com a torcida, seus pares, seus detratores e entre si. De todos baixarmos as armas e, talvez, jogarmos juntos como a grande equipe que deveríamos ser – torcida, profissionais, dirigentes. Por motivos que jamais saberemos – também uma marca deste Fluminense contemporâneo -, esta chance foi desperdiçada de forma retumbante.

Em frente à TV, esperando pelo nunca e o nada, meu papel foi o de um mero espectador idiota, tudo pelo amor que tenho ao time do meu coração. Penso nas crianças, nos idosos, nos incansáveis das arquibancadas hoje tão distantes – motivo da permanência secular deste clube. Não é assim que se trata o torcedor, os paradigmas e a história do Fluminense.

Não me cabe o papel de um juiz autoritário, dono da verdade e das leis, acima de qualquer homem de bem – não tenho a vocação de certas subcelebridades idiotas em busca de fama. Aqui, meu desabafo é dizer que tudo isso deveria ter sido diferente, muito diferente, desde o começo, passando pelo meio e chegando aqui muito distante de um gran finale. Encerro agradecendo a pessoas com quem conversei ontem: Caldeira, Fagner, Gonzalez e outros, com visões diferentes de Fluminense mas perfeitamente alinhados sobre a importância da preservação dos ídolos – colocá-los de saída pela porta dos fundos é um erro crasso que as Laranjeiras abrigam desde sempre e que, pelo visto, infelizmente não foi corrigido desta vez, involuntariamente ou não por todos os atores envolvidos.

Ontem, como torcedor do Fluminense, me senti um pária à espera da tal coletiva e de seu desfecho. E se assim fiquei, penso no garoto que chegou da escola e estava louco para ver Fred, por exemplo. Foi a última vez, pelo menos antes de um grande inverno e grandes mudanças na linha de pensamento do clube. E uma parte da torcida infelizmente é tratada como pária mesmo.

Futebol não é só dinheiro e poder. Às vezes, mais grave do que foi feito é o jeito de fazê-lo. Um corpo sem alma é apenas um corpo e só.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: repe

1 Comments

  1. Queria saber quem é o assessor de imprensa desse jogador. (HA!) A condução da sua presença na mídia nos últimos meses é um desastre!

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