Do Dia do Goleiro oficial, já se foram algumas horas.
Este cronista tenta, porém, se redimir de tamanha falha do esquecimento, como um arqueiro que se estica todo para uma defesa milagrosa após pular atrasado em uma cobrança de falta adversária.
Goleiros são de uma irradiação específica. O protagonista do teatro do campo quase sempre. O herói e seu anti-herói em quase simultaneidade, em passar de instantes, ao estalar de dedos, ao sabor do vento ou ao sabor de milímetros fora da rota.
Há quem escreva e diga ser melhor jogo no qual aquele jogador de luvas não aparece. Bobagem. Infortúnio imenso pensar que futebol só se joga com os pés: ainda que a etimologia contrarie este romantismo, foi e será com as sofridas e calejadas mãos de tantos goleiros que o futebol proporciona suas emoções mais agudas, espontâneas e únicas.
É pelo triscar de dados que fez a bola tingir a trave e sair. Pelo pé que sobrou na cobrança de pênalti e acabou protagonizado uma defesa histórica. É o frango, por que não? A saída em falso também. Futebol é inconstante e isso é um arranjo cósmico necessário. É, porém, pela bola encaixada após um fuzilamento adversário e o alívio imediato que isto proporciona que também se admira um goleiro. Admirar é arrepiar-se ao goleiro lançar-se a área adversária na situação de extrema necessidade. Ser goleiro é ter a arte do golpe de vista: o mais sublime lance do futebol que com o fitar de dois olhos muda o destino de pavilhões e trajetórias de bolas. Quem nisto não crê, meus amigos, desconhece a graça do imponderável e daquilo que de melhor o futebol traz.
E a nós torcedores, a nós que carregamos o querido pavilhão tricolor, resta também tal arte: a de com um golpe vista olhar a história do Fluminense. E não é necessário mais do que um relance sobre as páginas da história tricolor para identificarmos heróis inesquecíveis.
O maior ídolo da história do Fluminense, meus amigos, é Castilho. Um goleiro com heroísmo, valentia e amor ao Fluminense sem precedentes. Nenhum outro clube no mundo possui como símbolo maior de seus atletas alguém que arrancou parte de seu próprio corpo para poder continuar atuando em alto nível e não desfalcar o Fluminense em seus certames decisivos! Nenhum outro conjunto de cores proporcionaria tamanho sacrifício em um jogador quanto às tradutoras de paz, esperança e vigor.
Poucos clubes no mundo têm o privilégio de ter nas décadas recentes uma coleção de goleiros marcantes, seja por sua técnica inconfundível, por suas oscilações, segurança ou até mesmo pelo renascer das cinzas.
Quem nunca se curvou a Paulo Victor e sua inconfundível agilidade e disposição desde o aquecimento até o minuto final? Quem jamais não admirou sua relação verdadeira com o torcedor tricolor? Falo com conhecimento de causa. Aos mais velhos, posso parecer muito novo para falar do goleiro de 1984: nem todos da velha guarda, porém, tiveram a honra de conhece-lo pessoalmente e conviver, ainda que por pouco tempo, em um evento da FluCaicó – RN. Ser humano de extrema simpatia, sensibilidade e educação. Um tricolor em essência.
Por todas as vezes em que fomos a força que esticou o braço de Wellerson um pouco mais a cada chute do Flamengo em 1995. Pelas tantas vezes em que, entre amor, exaltação, ódio e raiva, vivemos a era Fernando Henrique no gol tricolor com sua intensidade, irregularidade e defesas inconfundíveis com os pés(!!!!!).
Por Berna, que saiu do posto de renegado e esquecido por tantos de nós inclusive e voltou para as balizas tricolores vedando a vácuo as redes no segundo turno do Brasileiro de 2010. Aquele que não se emocionou com sua atuação no Beira-Rio, na reta final da conquista, não sabe o que é a apoteose de um goleiro. Tal qual diria meu amigo Mauro Jácome, Berna protagonizou com sua meteórica ascensão em 2010 e em especial no jogo de Porto Alegre um trajetória cardíaca, que saiu da extrema falta de perspectiva, para o extase e apoteótico.
Por estes e por aqueles como Cavalieri é que a função do goleiro mesmo na ausência de qualquer chute a simples imponência e presença merecem admiração. Goleiro de frieza profissional e dedicação inigualáveis no elenco tricolor há anos, que tem de mim, além da admiração pelos mais variados milagres, uma reverência pessoal: jamais me esquecerei da atitude de extrema humanidade que teve, por meio de meu amigo Gabriel Peres, de enviar um vídeo de trinta segundos dando forças a um querido paciente tricolor internado no Hospital Universitário Presidente Dutra, em São Luís, onde trabalho todos os dias.
Camisas 1, 12, 22 ou da mais perfeita assimetria para a posição: por desde todos os heróis citados até o mais anônimo e efêmero, por toda entrega, disciplina, paciência e respeito ao querido pavilhão que vocês, diversos arqueiros tricolores, já tiveram com a camisa tricolor, meu muito obrigado.
É goleiro profissional nesta vida, meus amigos, quem tem amor ao que faz. É goleiro quem nasceu com a vocação para tanto. Para a eternidade? Quem sabe. Esta é a vocação do Fluminense. Feliz é, porém, o goleiro que com as cores deste eterno campeão atinge o registro da história.
A nós cabe a admiração. Cabe o encantar-se a cada acrobacia e exaltar a defesa simples nas bolas mais difíceis.
Cabe, enfim, olhar e ficar ali parado, dizendo: “já pensou, Gravatinha, por que a grama na pequena área é sempre mais rala?”
Mesmo tão poético, ele ficará calado. Você completa:
“É porque ali não é simplesmente onde todos e jogam: é onde, de todo o campo, a grama é regada com mais suor e com mais suor salgado. Um suor paciente e disciplinado. O lugar onde pisam os gigantes”.
Aos goleiros, meu respeito e adoração.
Saudações tricolores.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: ffc