“… dois garotos divertidos e fofoqueiros, adolescentes talvez, cochichavam quase envergonhados sobre a passagem da bela torcedora loura, de coxas grossas e short curto, lembrando uma jogadora de vôlei, subindo os degraus de concreto numa tarde de domingo nublada, tímida, de nem tanta gente assim no Maracanã.
A jovem mulher não devia ter mais de vinte e cinco anos de idade; os garotos, catorze se muito. Linda, ela continuava subindo com admirável determinação, provavelmente querendo o topo do estádio, onde qualquer ser humano pode viver a impressão de que é senhor do vento e das marés.
A turma do corredor preparava suas bandeiras, grandes e pequenas. As maiores tinham mastros de bambu; as pequenas usavam madeirinhas que até lembravam pedaços de cabide. Pacotinhos de pó de arroz sendo preparados para a mágica do arremesso coletivo mais tarde, colorindo a cor cinza que predomina nas cores do sagrado campo de futebol e no céu.
Do outro lado, uma imensa bandeira vermelha, viva, cor de sangue arterial, do simpático time chamado America.
Um senhor alto, gordo, respeitável, barbudo, com chapéu de aba mole, carregava um assento com escudo do Fluminense na mão direita – a esquerda segurava um rádio com volume alto, onde um grande repórter relatava informações preliminares da partida que viria a acontecer mais tarde.
Um garoto olhando para o horizonte e tentando captar cada detalhe daquela diversão, sozinho que estava enquanto seu pai buscava refrigerante e cachorro quente Geneal, mais batatinha frita Guri.
Ambulantes subindo e descendo em nome do comércio: picolés, amendoim torrado e transportado quente na lata, achocolatado em minicaixas, bandeirinhas de mão, camisetas do Fluminense.
Embaixo, a turma que assistia jogos em pé, às vezes correndo risco de chuva forte. O pessoal da administração aliviava e geralmente abria os portões das escadas no intervalo da partida: eles corriam loucamente e, alguns andares acima, adentravam as arquibancadas. Não era difícil reconhecê-los: as roupas costumavam ser muito humildes, às vezes rotas, e geralmente eles calçavam chinelos.
Havia espaço para certo conforto no banco de cimento, coisa muito rara em se tratando dali. Mas para o olhar de uma criança não havia nenhuma diferença: os gritos, os sambas, a festa das bandeiras, era tudo igual como se houvesse uma grande multidão presente.
Nós, fluminenses, fizemos um gol numa jogada de rebote, a bola ganhou as redes lentamente, parecia slow motion. O diabo é que o time deles, com vermelho vivo, empatou logo em seguida. O pai começa a reclamar do jogo ao lado do filho: “Eu vi Didi, eu vi Telê, não essa bandalheira em campo!”. O garoto, calado, não entendia muito a situação, mas suspirava por um gol da vitória que, como sabemos ou sabíamos, jamais viria.
No fim da partida, pai e filho deram as mãos e desceram lentamente os degraus altos da arquibancada. Adultos discutiam a perda do atacante Fumanchu, além da indisciplina do jogador Nunes.
No corredor, alguns lamentavam o empate. Num súbito, a rampa de descida do Maracanã surgiu.
Torcedores de camisas tricolores, brancas e vermelhas caminhavam com toda a calma do mundo pelo declive, como se quisessem saborear cada minuto do futebol, da vivência, mesmo que o resultado não tivesse sido o desejado, mesmo que o domingo nublado e escuro parecesse mais triste, mesmo que ali terminasse a folga e no dia seguinte era o momento de fazer o Brasil crescer, seja numa sala de aula, num trabalho, nas ruas, ao redor da pátria amada.
Na rua, alguns vendedores anunciavam suas últimas promoções. A carrocinha do cachorro quente e do milho estava cheia: era hora de desconto. Alguém sonhava com churros de doce de leite, a novidade da praça.
Logo se via um obelisco com formas geométricas, talvez losangos, talvez com pontas arredondadas.
As ruas estavam cheias de gente, esperanças para o próximo jogo e alguma melancolia compreensível, a tal ponto que se aqui você estivesse lendo a página de um livro, é porque o escritor estaria às lágrimas.”
Panorama Tricolor
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Imagem: jb/exulla