Slow motion (por Paulo-Roberto Andel)

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“… dois garotos divertidos e fofoqueiros, adolescentes talvez, cochichavam quase envergonhados sobre a passagem da bela torcedora loura, de coxas grossas e short curto, lembrando uma jogadora de vôlei, subindo os degraus de concreto numa tarde de domingo nublada, tímida, de nem tanta gente assim no Maracanã.

A jovem mulher não devia ter mais de vinte e cinco anos de idade; os garotos, catorze se muito. Linda, ela continuava subindo com admirável determinação, provavelmente querendo o topo do estádio, onde qualquer ser humano pode viver a impressão de que é senhor do vento e das marés.

A turma do corredor preparava suas bandeiras, grandes e pequenas. As maiores tinham mastros de bambu; as pequenas usavam madeirinhas que até lembravam pedaços de cabide. Pacotinhos de pó de arroz sendo preparados para a mágica do arremesso coletivo mais tarde, colorindo a cor cinza que predomina nas cores do sagrado campo de futebol e no céu.

Do outro lado, uma imensa bandeira vermelha, viva, cor de sangue arterial, do simpático time chamado America.

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Um senhor alto, gordo, respeitável, barbudo, com chapéu de aba mole, carregava um assento com escudo do Fluminense na mão direita – a esquerda segurava um rádio com volume alto, onde um grande repórter relatava informações preliminares da partida que viria a acontecer mais tarde.

Um garoto olhando para o horizonte e tentando captar cada detalhe daquela diversão, sozinho que estava enquanto seu pai buscava refrigerante e cachorro quente Geneal, mais batatinha frita Guri.

Ambulantes subindo e descendo em nome do comércio: picolés, amendoim torrado e transportado quente na lata, achocolatado em minicaixas, bandeirinhas de mão, camisetas do Fluminense.

Embaixo, a turma que assistia jogos em pé, às vezes correndo risco de chuva forte. O pessoal da administração aliviava e geralmente abria os portões das escadas no intervalo da partida: eles corriam loucamente e, alguns andares acima, adentravam as arquibancadas. Não era difícil reconhecê-los: as roupas costumavam ser muito humildes, às vezes rotas, e geralmente eles calçavam chinelos.

Havia espaço para certo conforto no banco de cimento, coisa muito rara em se tratando dali. Mas para o olhar de uma criança não havia nenhuma diferença: os gritos, os sambas, a festa das bandeiras, era tudo igual como se houvesse uma grande multidão presente.

Nós, fluminenses, fizemos um gol numa jogada de rebote, a bola ganhou as redes lentamente, parecia slow motion. O diabo é que o time deles, com vermelho vivo, empatou logo em seguida. O pai começa a reclamar do jogo ao lado do filho: “Eu vi Didi, eu vi Telê, não essa bandalheira em campo!”. O garoto, calado, não entendia muito a situação, mas suspirava por um gol da vitória que, como sabemos ou sabíamos, jamais viria.

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No fim da partida, pai e filho deram as mãos e desceram lentamente os degraus altos da arquibancada. Adultos discutiam a perda do atacante Fumanchu, além da indisciplina do jogador Nunes.

No corredor, alguns lamentavam o empate. Num súbito, a rampa de descida do Maracanã surgiu.

Torcedores de camisas tricolores, brancas e vermelhas caminhavam com toda a calma do mundo pelo declive, como se quisessem saborear cada minuto do futebol, da vivência, mesmo que o resultado não tivesse sido o desejado, mesmo que o domingo nublado e escuro parecesse mais triste, mesmo que ali terminasse a folga e no dia seguinte era o momento de fazer o Brasil crescer, seja numa sala de aula, num trabalho, nas ruas, ao redor da pátria amada.

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Na rua, alguns vendedores anunciavam suas últimas promoções. A carrocinha do cachorro quente e do milho estava cheia: era hora de desconto. Alguém sonhava com churros de doce de leite, a novidade da praça.

Logo se via um obelisco com formas geométricas, talvez losangos, talvez com pontas arredondadas.

As ruas estavam cheias de gente, esperanças para o próximo jogo e alguma melancolia compreensível, a tal ponto que se aqui você estivesse lendo a página de um livro, é porque o escritor estaria às lágrimas.”

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: jb/exulla

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