Amigos, amigas, vamos começar essa análise pelo grande questionamento que se opõe a uma visão mais triunfalista das duas últimas atuações do Fluminense.
A vitória do Fluminense sobre o River, em si, não é motivo de espanto. O que espanta é a forma como o Fluminense foi superior a tão qualificado adversário durante 90 minutos, numa partida que poderia ter terminado em uma goleada histórica.
A explicação para a desproporção de desempenho, para muitos, e até apropriada, foi a condição física da equipe argentina, com vários jogadores voltando de Covid. Da mesma forma, pode-se acrescentar à análise de São Paulo e Fluminense, as ausências de Daniel Alves e Benitez, que são os centros de lucidez do campeão paulista.
O jogo contra o São Paulo tinha caráter de tira-teima, e tudo indica que o Fluminense foi muito bem, senhor absoluto do jogo em pleno Morumbi. A vitória não veio e o gosto, ao final do jogo, foi amargo para nós, que perdemos pênalti, mandamos bola na trave e o tal do Thiago Volpi foi o melhor em campo.
Mesmo assim, é bom que calcemos as sandálias da humildade, porque o São Paulo teve desfalques vitais na partida. Precisamos, no entanto, evidenciar que se o Fluminense dessas duas partidas fosse o que vinha atuando, certamente não teríamos tal predomínio tricolor, tanto em Buenos Aires quanto em São Paulo.
Logo, não há quem possa questionar o fato de que o Fluminense teve evolução admirável. As atuações contra River e São Paulo, dois dos melhores times da América do Sul na atualidade, não se explica só com os problemas do adversário. E é aí que entra a análise do que aconteceu com o Fluminense.
Uma análise que não é tão difícil. Primeiramente, pelo aspecto tático. O que Roger fez foi fazer o Fluminense jogar como em 2020. Para isso, fez um movimento simples e óbvio no xadrez tricolor. Roger recuou Nenê para ser o terceiro homem de meio de campo. Com isso, deu mais compactação ao time e mais liberdade para que os homens de lado, Caio Paulista e Gabriel, se aproximassem dos centroavantes (Fred, contra o River, e Abel, contra o São Paulo). Isso, por si só, melhorou nossa marcação na primeira linha e melhorou nossa produtividade ofensiva, inclusive com Caio Paulista passando a entrar na área como um centroavante.
Fred e Abel são jogadores diferentes, que contribuem de forma diferente para o time, mas ambos vêm demonstrando suas melhores qualidades. Fred não só faz o pivô, mas sai da área para armar. Abel, por sua vez, ataca espaços e dá opção de jogadas em alta velocidade. Parece que nosso setor ofensivo está resolvido, inclusive porque ainda temos John Kenedy vindo aí, voltando de sua interminável, porém vitoriosa, luta com a Covid.
Uma coisa é o aspecto tático, outra é a questão individual. Não sei se posso dizer que Roger substituiu Danilo Barcelos por Egídio, já que o segundo sempre foi o titular da lateral-esquerda. O fato é que Egídio, que ontem andou comprometendo nos minutos finais, só para não perder o hábito, é muito mais jogador. Tem qualidade técnica, sabe atacar e ainda ajuda na construção de jogo. É só ver o primeiro lance de perigo no jogo de ontem, quando colocou Abel na cara do gol com um passe longo e preciso.
Samuel Teixeira comprou uma briga grande ao substituir Calegari, mas parece ter convencido a todos que merece ser o titular. Não porque seja mais jogador que Calegari, mas porque tem um domínio formidável da lateral-direita e também participa da construção de jogo.
É incrível reconhecer que Caio Paulista é o titular desse novo time de Roger, ainda mais no lugar de Kayky, que vinha sendo nossa referência técnica e principal peça nas ações ofensivas. Kaiky participara de quase todas as jogadas de gol nos últimos compromissos antes do papelão diante do Júnior, mas Caio Paulista consegue entregar uma enorme intensidade no jogo. Não é só isso, no entanto. Caio Paulista deixou de ser aquele jogador que corria com a bola e tomava decisões estabanadas. Agora, joga com inteligência, tocando de primeira e entrando na área como um centroavante. Melhorou sensivelmente nossa capacidade de imposição física.
Agora, amigas, amigos – para tudo e pede orquestra ao fundo -, o que é o Gabriel Teixeira? Muito se deve a evolução do Fluminense a esse jogador. É o exemplo de como um homem de lado deve atuar no atual esquema. Combate, imprime velocidade ao jogo, faz um trabalho incansável de criação, cai pelo lado, se aproxima dos homens de centro e ainda entra na área. Uma pena que a bola tenha batido na trave num lance em que foi servido por Martinelli, que fez jogada magistral, logo no primeiro minuto da segunda etapa.
O time titular é esse? Por ora, sim, com Fred ou Abel. Parece que Nenê é a única peça contestável, mas eu sempre tenho dito que quanto menos aparece, mais joga. Nenê é um jogador capaz de dar agilidade ao meio de campo, ao mesmo tempo em que é capaz de matar o time. Atuando como um verdadeira camisa 10, Nenê, fazendo a bola rolar, consegue ser muito útil. Portanto, acho que podemos ter esse como o time titular.
Qual o desafio de Roger, agora que achou um time titular e acertou o desenho tático da equipe? O desafio é fazer o time jogar com a mesma pegada durante 90 minutos. Para isso, Roger precisa qualificar suas substituições, não só pelas peças em que mexe, mas pelo time em que as alterações são feitas.
O que nos leva, também, a pensar nas peças que temos à disposição no banco. Kayky e Luis Henrique não podem ser desprezados. Como já disse, Kayky vinha sendo nossa principal arma ofensiva, enquanto Luis Henrique vinha sendo nossa bola de segurança quando tínhamos enorme dificuldade de fazer a transição ofensiva. A questão, agora, é saber como usá-los, quando não há nada que indique que Caio Paulista e Gabriel tenham que ser substituídos ao longo da segunda etapa. São jogadores que devem ser pensados, principalmente, como peças de reposição de altíssimo nível técnico, o que já é muito bom.
Isso posto, vamos falar de quais são nossas chances na temporada a partir de agora. Primeiramente, essa nova formação titular precisa ser testada por mais três ou quatro jogos, com desafios diferentes, para mostrar que realmente é o que precisamos. Até aqui, o melhor que esse time fez foi dar um novo significado à expectativa que antecede os jogos do Fluminense. Não é mais só esperar pelo jogo do Fluminense. Agora é esperar por grandes exibições, o que faz uma diferença enorme. O Fluminense dos dois últimos jogos deu prazer de assistir.
A outra questão é a forma como Roger usará o elenco e as peças que precisa descobrir. Wellington pode ser um jogador importante para mudar a proposta tática durante as partidas, mas não será o substituto à altura para Martinelli e Yago. Precisamos pensar em André, Calegari, Metinho e Julião para manter a pegada quando uma das peças da nossa formidável dupla de volantes tiver que se ausentar.
Outro problema é a lateral-esquerda. Egídio já provou que pode ser titular, embora nós saibamos das consequentes dores de cabeça que dessa opção possam advir. O que não pode é o reserva ser o Danilo Barcelos. Temos Mascatenha, Jefte e Julião para serem testados ali. De resto, o elenco está bem servido para caminhar para uma grande temporada. Se seremos campeões de alguma coisa, é preciso também consultar os adversários, e olhem bem que nós os temos em profusão e com muita qualidade.
O que nós temos é esperança, e falo da esperança na sua forma perfeita, que é a esperança com fundamento. Esperança sem fundamento faz pensar em otimismo, que é algo que, ao meu ver, se aproxima da loucura, muito embora muitos já me tenham tido como otimista e até me cobrem essa postura. Eu prefiro ter pensamento positivo, mas o pensamento positivo é o otimismo com fundamento, o que significa tentar sistematicamente encontrar caminhos para levar o Fluminense ao seu devido lugar, e não apenas acreditar cegamente em algo improvável. O nome disso é demência.
O que posso dizer é que o Fluminense dos últimos dois jogos me contagia e emociona. Espero que isso não seja passageiro, assim como vejo indicadores que apontam que não será, o que me deixa mais feliz.
Saudações Tricolores!