Não sei exatamente quando meus ancestrais chegaram ao Brasil. Posso presumir que tenham sido trazidos nos porões de algum navio negreiro, em condições desumanas e que tenham sido tirados de suas aldeias à força para serem vendidos do outro lado Atlântico. Em que tipo de sociedade viviam eu posso deduzir, mas não tenho como afirmar. Como foi o desenrolar dessas histórias até que o primeiro dos meus fosse liberto e pudesse buscar a própria vida eu também não sei. Mesmo assim posso contar diversas histórias que foram contadas pelos meus avós em nossas tardes de domingo em Sepetiba. Ao redor da mesa ou na varanda, todos param para ouvir meu avô Kelé contar histórias. O mundo para quando ele inicia um relato. Ele tem o dom da oralidade de seus antepassados. De boca em boca as histórias, mitos, lendas e relatos eram feitos e divididos. A oralidade faz parte da tradição africana. Por outro lado, do lado europeu, muito se sabe, pois existem registros históricos escritos, que venceram o tempo e nos servem como a revelação de um passado tão distante. Hoje, o que sabemos sobre o mundo, vem do que nos é contado pelo olhar do opressor, do vencedor e não do oprimido, do subjugado. Só temos a visão de um dos lados.
Esta semana tive a alegria de entrar em contato com a história de Mahommah Gardo Baquaqua, nascido no Norte da África, trazido para o Brasil no início do século XIX, onde trabalhou e depois foi levado para Nova York. Este é o primeiro negro ex-escravo que viveu no Brasil a produzir sua autobiografia. Através do que ele escreveu podemos ter noção de como eram os porões dos navios e a vida do escravo no Brasil. É o primeiro relato do oprimido que temos contato em nosso país. Esse tipo de registro é comum nos EUA, mas aqui não. Por ter ido para lá, tivemos a oportunidade de entrar contato com o que ele viveu.
Só quem registra sua história, sua vida, seus pontos de vista, sua opinião sobre o mundo, terá a oportunidade de ser interpretado no futuro. Após Gutemberg tornar possível a produção de livros impressos, a sociedade se viu aberta a registrar tudo o que era possível. O livro e a informação deixaram de ser um objeto inalcançável. Mais pessoas tiveram acesso à informação. E informação é um dos maiores poderes do planeta.
Por isso venho aqui parabenizar Paulo Roberto Andel, João Marcelo Garcez, Mauro Jácome, Rodrigo César (o Rods), Marcus Vinícius Caldeira, Erica Matos, Walace Cestari, Ise Cavalieri e tantos outros amigos do Panorama, que de forma heroica registram a história do Fluminense com a visão do torcedor, do apaixonado, de quem realmente se importa com o que será passado às futuras gerações sobre o que acontece hoje e também sobre o que já se passou muito antes da internet existir. Estes relatos jamais serão apagados. Estão na internet, em livros, vídeos… Quando quiserem saber o que acontecia nos “porões” do Tricolor, encontrarão o trabalho dessas pessoas. Haverá por aí também o que foi escrito pelo opressor, pela Flapress, por Zandonaides e Kfouris. Ainda vivemos em uma democracia. Todos podem falar o que querem (mas terão sempre que arcar com as consequências). Caso não tivéssemos nossa voz, seria apenas o lado deles, a visão deles, a opinião deles a ser propagada.
Nossa voz é eterna. Nada apagará o que conseguimos registrar. Nós somos a História.
Saudações tricolores,
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @nestoxavier
Imagem: http://escola.britannica.com.br/