Procurando meu pai no Maracanã (por Paulo-Roberto Andel)

É uma história que vem de longe. São cinquenta anos.

Quando me tornei Fluminense, eu só tinha a imagem da figurinha do Félix e o nome do clube, mais nada, dito pelo meu pai. Foi o suficiente. Um ano depois, antes dos seis de idade, eu me lembro do escuro da arquibancada num final de jogo. A seguir, de vários momentos da Máquina até 1978, quando virei um torcedor mirim de ouvir rádio e ler jornais em busca de notícias tricolores, o que vem até hoje. A parceria fixa com meu pai durou de 1974 até 1982, quando deixamos de ver os jogos juntos no estádio. Ele faleceu em 2008, enquanto todos celebravam a vitória épica sobre o São Paulo na Libertadores.

Há muitos anos, mantenho uma busca física em vão por meu pai, já que ele está morto. Pouco importa se é em vão, eu a faço para que minha vida ainda valha a pena. Invariavelmente lembro de como ele gostava de ler todos os jornais pela manhã, de ir bem cedo para a porta do Maracanã – éramos sempre os primeiros a entrar pelo Bellini -; de sua generosidade com os pequenos tricolores pobres, dando-lhe ingressos mesmo sendo um homem pobre também; de seu espírito crítico e ranzinza, sempre querendo o melhor para o clube – hoje, quem crítica é chamado de “não tricolor” – que patético.

Falando em Bellini, sempre sentávamos na ponta da escadinha da entrada enquanto não liberavam as roletas. Passo ali e lembro sempre. Ficávamos vendo o pequeno movimento cinco ou quatro horas antes do clássico, as pessoas passando, o moço vendendo laranja, tudo isso eu lembro como se fosse há meia hora. É lá que eu o procuro, ou em arquibancadas que já me não existem mais, no caminho da rampa imortal ou dos corredores.

Em paralelo, meu pai comprava sempre a revista Placar. Havia uma especial, com a história do Fluminense, que decorei aos onze anos de idade. Na banca de jornais, os botões da coleção É Gol, que vinham em pacotinhos, além dos famosos Futebol Cards. Em mais de uma vez, ele recortou um escudinho do Fluminense e me deu. Do jeito dele, com poucas palavras e algumas ações, deu certo.

Eu só tive uma camisa do Fluminense quando era criança, uma camiseta com o escudo cobrindo o peito todo e a frase “Sou Fluzão”. Usei muito até os dois anos de idade. Naquele tempo comprar camisa era caro e não tinha a variedade de hoje. Só fui ter outra aos catorze anos em 1982, que estreou numa derrota injusta para o Vasco com pênalti mandrake. Antes, a gente comprava uma camiseta Hering, o escudo bordado na loja de esportes e a mãe costurava. Pronto, era oficial. Achei graça outro dia, quando rodou uma campanha na internet com tricolores colocando suas fotos com camisa do Flu para provar a torcida pelo clube. Eu não tinha para botar só porque era pobre, mas à essa altura do fato, se o leitor for bom – e confio nisso – já sabe que eu não careço de provas. Qualquer coisa, é só procurar na Wikipedia do Fluminense, seção de livros subestimados sobre o clube – ainda bem que fiquei nessa, porque o outro lado está cheio de mediocridade.

Hoje não tem jogo no Maracanã, vamos de TV. Vou procurar a voz do meu pai reclamando da escalação ou de qualquer coisa. Na impossibilidade da vida, já que ninguém deveria ser órfão, ficaram as lembranças e os bons resultados que deixaram a figurinha do Félix e o nome do nosso time. Helio lutou demais, acertou e errou, sofreu muito e muitas vezes teve no Fluminense seu único refúgio e alívio. De certa forma, é o que tem acontecido comigo enquanto ainda estou por aqui. Tê-lo abraçado morto meia hora antes daquele Fluminense x São Paulo pode ser um sinal de que, 15 anos depois, veremos o Flu campeão da Libertadores mesmo com tudo contra. É aquilo, no meio do sofrimento pode surgir uma beleza indescritível.

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A primeira vez que vi o Grêmio foi bem chato. Lotamos o Maracanã e perdemos por 2 a 1. Eles disputaram a final, foram garfados em casa e perderam o título.

Desde então, muita coisa aconteceu. Jogos cheios de gols, partidas em que um jogou o outro no abismo, além de uma saudável lembrança: dois super heróis gremistas deixaram suas marcas no Fluminense, Renato Gaúcho e Roger. Renato já estava imortalizado com o gol de barriga, depois foi o primeiro treinador campeão da Copa do Brasil pelo Flu, e Roger fez o gol do título. Boas recordações.