Entendo que uma parte da torcida tricolor ainda veja o Fluminense de esguelha, mesmo depois de quatro vitórias consecutivas – e todas com qualidades. Depois de anos e anos acostumada a nomes badalados a cada temporada – e alguns subitamente, mesmo sem grande planejamento, a coisa mudou desde a saída da grande patrocinadora. E as montagens 2015 e 2016 deixaram muito a desejar, enviesadas por fatores, digamos, exógenos. Neste 2017, o Fluminense retomou um caminho de muitas oportunidades, mas desconhecido das duas últimas gerações de tricolores: o da reciclagem de jogadores do próprio elenco. Basta pesquisar os últimos 50 anos e se constata: não tivemos um único time campeão sem jogadores remanescentes de anos sem título, para não dizer de completa draga, caso de 2009.
E lá foi o time em busca de autoafirmação, tentando o quarto triunfo consecutivo e, para piorar, num fim de noite de domingo depois de uma tempestade em Los Larios, transformando o gramado numa piscina de water polo depois do atraso no começo da peleja. Resultado: a dificuldade natural de condução de bola e muitas faltas, devido ao contato físico. Reparem que, desde a grande vitória sobre o Vasco, foram contratempos diferentes a serem superados. Mas Dourado finalizou com categoria surpreendente, fez o papel de homem de área garantiu a vantagem inicial. Ele é um dos paradigmas deste início tricolor em 2017: a enorme disposição em lutar contra as próprias dificuldades.
O grande lance do segundo tempo ajuda a explicar o momento do onze tricolor: o choro efusivo do jovem lateral Leo após marcar o segundo gol num belo chute cruzado. A reação típica de quem estava lutando pelo reconhecimento há tempos, além de visto com desconfiança em sua volta de Londrina, mesmo tendo feito uma excelente temporada ano passado. Vai errar e acertar, como tem feito, mas dentro de um saldo positivo. É preciso paciência e lucidez para se entender que uma equipe montada há um mês oscilará naturalmente, além da evidente percepção de que o Flu precisará de reforços para as competições de disputa esportiva mais acirrada; no entanto, não enxergar a garra, luta e disposição do time atual só pode ser explicado por dois fatores: pouco entendimento do riscado do futebol ou o eventual aluguel profano das próprias palavras tendo o ódio como locatário, com finalidades nada republicanas ou em atendimento ao humorismo de quinta categoria.
Não é nada, não é nada, mas o desacreditado time do começo de janeiro começa fevereiro plenamente acostumado com o gosto da vitória, muito longe da postura pré-rebaixamento tão ansiada por alguns papa-defuntos de plantão. É melhor iniciar um trabalho assim do que jogando como nunca, mas perdendo. É melhor ter um time comprometido com poucas estrelas e muito empenho do que outro, com muitos nomes e pouca atitude.
Em tempos mais recentes, cheguei a me assustar com minha própria indiferença: o Fluminense lento, pastoso e descompromissado me parecia impossível de ser superado. Mas eu jamais poderia ter esquecido uma lição aprendida desde criança, a que o Tricolor tem a vocação para desafiar definições e ganhar a raia mesmo remando contra a maré. Este não é um time pré-campeão, nem um campeão de audiência ou um líder de manchetes, mas uma versão barata e honesta do “timinho”, a velha pecha que muitas vezes pavimentou o caminho para voltas olímpicas de respeito. Voltamos a cantar, recordando Mário Reis.
Saudações especiais às feras das arquibancadas que encararam Los Larios ontem à noite – dizem que até o Zanzibar foi. Orejuela errou um passe no meio do pantanal. Ufa, ele é humano! Júlio César fez um defesaço de mão trocada. Scarpa com bela jogada individual no terceiro gol.
Quem não brilhou, lutou. Um grande combo XI em três cores, humilde e altivo.
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Um barato o churrasco do MR21 no clube sábado passado. Tricolores em clima de total fraternidade, carnes fantásticas e, como cereja do bolo, a presença de Galhardo nas Laranjeiras. A visita do ídolo campeão deixou muitos olhares marejados, o que explica o que são a essência e o espírito do Fluminense.
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Quem nasceu para ser papagaio de pirata nunca será a estrela da companhia.
Panorama Tricolor
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Imagem: curvelo