Porque o Fluminense é de todos (por Felipe Fleury)

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Escrevo excepcionalmente esta coluna para esclarecer acerca da controvérsia sobre a publicação de um manifesto de viés político no Blog Laranjeiras, da ESPN Brasil.

Esta não é a linha do Panorama, muito menos a minha. Mas o assunto precisa ser clareado a fim de que direitos não sejam confundidos com abusos ou ilegalidades e, sobretudo, porque o imbróglio envolve o nome Fluminense.

Pretendo ser objetivo sem contraditar as ofensas perpetradas por quem levianamente afirmou que um manifesto que, segundo seus signatários, defende a ordem democrática, a observância das leis e da Constituição da República é um manifesto partidário, em defesa do governo federal que aí está posto.

E que, também de forma irresponsável, conferiu ao autor do texto publicado no Blog Laranjeiras, da ESPN Brasil, bem como aos seus subscritores a pecha de “usurpadores” da marca Fluminense, na medida em que teria sido utilizada para fins políticos.

Em primeiro lugar, e isso é basilar, trata-se do livre exercício da liberdade de expressão, um direito garantido constitucionalmente.

O próprio texto afirma que se trata de um movimento oriundo de um grupo tricolor da internet – Tricolores pela Democracia – sem qualquer vinculação oficial com o clube, portanto. Tal fato foi, inclusive, objeto de nota oficial do Fluminense, que, de forma clara, sucinta e objetiva disse o óbvio: que a manifestação partiu de um grupo de torcedores, não tendo havido qualquer vinculação do clube ante o seu apartidarismo.

Não podia ser diferente. O texto expressa o pensamento político de um grupo determinado da sociedade civil. Por afinidade clubística, esse grupo reuniu torcedores do Fluminense Football Club e o uso do seu símbolo tem apenas o condão de mostrar justamente isso, de que se trata de um grupo de torcedores do Fluminense.

Nada além. Ninguém falou em nome do Fluminense. E nem poderia, uma vez que a representação oficial do clube cabe apenas ao seu mandatário. Este é o primeiro ponto.

Sim, mas houve o uso indevido da marca Fluminense, associando o clube à posição política de cerca de quatrocentos torcedores? Penso que esta seja a questão crucial da discórdia.

Há quem somente acredite na sua própria verdade, como se fosse a única, incontestável e irrevogável, fechando-se em si mesmo contra qualquer tipo de informação que seja contrária ao seu ponto de vista. E, é por isso que, talvez, à falta de argumentos, abundem as ofensas.

Vamos por partes.

A conduta a que muitos se referiram – usurpar – é um termo grave e que, segundo o Dicionário Houaiss significa: “Apossar-se de (algo) sem ter direito, à força ou por fraude”. Ora, não me parece que alguém tenha se apossado do símbolo do Fluminense sem ter direito. Muito menos à força ou por fraude – ninguém, também, foi induzido a erro.

A utilização do símbolo do clube, como já dito antes, tratou apenas de identificar aquele grupo como torcedores do Fluminense, uma conduta absolutamente legal, como se verá adiante.

Estamos, agora, falando de marca.

É certo que a Lei 9615/98 (Lei Pelé) garante às entidades desportivas proteção legal de seus nomes e símbolos. Nesse sentido:

Artigo 87 – “A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente”.

Parágrafo único – “A garantia legal outorgada às entidades e os atletas referidos neste artigo permite-lhes o uso comercial de sua denominação, símbolos, nomes e apelido”.

Há uma controvérsia jurídica, contudo, sobre a necessidade de registro da marca no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial, órgão responsável pelo registro de marcas e patentes) para o licenciamento (seu uso comercial), uma vez que a proteção da Lei Pelé não abarcaria a referida modalidade, mas apenas as suas atividades sociais e desportivas. Pesquisei e verifiquei que o Fluminense tem a sua marca registrada também no INPI.

Ótimo, o Fluminense cuidou bem do seu patrimônio.

O registro, assim, garante proteção à marca, e é a Lei 9279/96 que dispõe sobre o que vale e o que não vale em relação ao tema, ou seja, os direitos e deveres de quem a registra. O titular da marca pode, então:

Art. 130. Ao titular da marca ou ao depositante é ainda assegurado o direito de:
I – ceder seu registro ou pedido de registro;
II – licenciar seu uso;
III – zelar pela sua integridade material ou reputação.

E o que o titular da marca, no caso, o Fluminense, não pode:

Art. 132. O titular da marca não poderá:
I – impedir que comerciantes ou distribuidores utilizem sinais distintivos que lhes são próprios, juntamente com a marca do produto, na sua promoção e comercialização;
II – impedir que fabricantes de acessórios utilizem a marca para indicar a destinação do produto, desde que obedecidas as práticas leais de concorrência;
III – impedir a livre circulação de produto colocado no mercado interno, por si ou por outrem com seu consentimento, ressalvado o disposto nos §§ 3º e 4º do art. 68; e
IV – impedir a citação da marca em discurso, obra científica ou literária ou qualquer outra publicação, desde que sem conotação comercial e sem prejuízo para seu caráter distintivo.

Grifei propositalmente o inciso IV, do artigo 132, da Lei 9279/96, porque assevera que o titular da marca não poderá impedir a citação da marca em “qualquer outra publicação” desde que sem conotação comercial e sem prejuízo do caráter distintivo.

O que isso quer dizer? Isso quer dizer que a imagem do escudo do clube pode ser aposta em qualquer publicação – e o manifesto publicado no Blog da ESPN – creio eu, pode ser considerado como “qualquer publicação”, desde que sem conotação comercial – não me pareceu que houve alguma – e sem prejuízo do caráter distintivo.

E o que significa distintividade? Segundo Couto Gonçalves, desdobra-se numa função-meio, que é a função de identificar e numa função-fim, que é a função de distinguir a proveniência dos produtos ou serviços. Para Tullio Ascarelli é a identificação objetiva do produto ou serviço em si considerado, distinguindo-o de outros. Em suma, é a essência que distingue uma marca de outra.

Da mesma forma, a aposição do escudo não feriu, assim, o seu caráter distintivo. Não há dúvidas de que o escudo identifica o Fluminense, isso não foi modificado, ninguém imaginou ser aquele símbolo o de outro clube.

Assim, mesmo que se entendesse que houve qualquer vinculação da marca Fluminense ao protesto político, o que de fato não ocorreu, como visto, essa associação nada teria de ilegal, pois o seu titular, que é o clube, não pode impedir – nos termos do referido artigo 132, da Lei 9279/96 – a sua utilização numa publicação sem qualquer conotação comercial e sem ofensa ao seu caráter distintivo.

Em sentido contrário, pode impedir a citação se houver conotação comercial e ofensa ao seu caráter distintivo. Por exemplo: eu resolvo fabricar camisetas, estampo a marca Fluminense e vou vendê-las numa feirinha. Isso caracteriza o crime de contrafação, mais conhecido como “pirateamento”, porque deu-se à marca um uso comercial sem autorização do seu titular.

O uso da marca nos termos do inciso IV, do artigo 132, da Lei 9279/96, mesmo não autorizado, não configura qualquer violação aos direitos de seu titular. Por isso, por exemplo, eu posso fazer uma festa temática de aniversário para a minha filha, ou tatuar o escudo do Fluminense em meu corpo. São condutas permitidas e que, por analogia, não infringem o citado dispositivo legal.

A grave acusação de usurpação da marca Fluminense é, portanto, uma leviandade, que só se justifica nas mentes de quem politicamente é contrário ao posicionamento dos subscritores do manifesto e que, ao invés de argumentos – quaisquer que fossem – preferiram indignar-se através de ataques raivosos e despropositados.

Eu não sou o dono da razão, minha verdade não é melhor do que a de ninguém, mas expus o meu ponto de vista de forma fundamentada. Também não é minha pretensão mudar a opinião política de quem quer que seja, mas eu ficaria muito feliz se aquele que não concorda com o que não lhe parece correto – em qualquer seara – travasse uma batalha de argumentos e não de ofensas. A democracia agradeceria.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @FFleury

Imagem: F2

21 Comments

  1. Só do Fluminense FC ter feito um nota oficial mostra claramente que faltou prudência a essa galera , deixa eu me posicionar se não vai ter tricolor me chamando de golpista … kkkkk
    Sou contra o impeachment mais considero NORMAL o processo que o governo vem sofrendo , em países mais avançados por muito menos presidentes e primeiro ministros são depostos …
    E a galera do manifesto vamos falar a verdade ” NÃO É PELA DEMOCRACIA E PELO PT ” sou fã do panorama NÃO vou deixar de ler por causa…

  2. Com todo respeito , o blogueiro da ESPN e os tricolores que se manifestam por ” democracia ” podem se manifestar , criar grupos , sair nas ruas gritando que não vai ter golpe ( quem viveu a era Collor e agora ver petistas chamando esse processo todo de golpe acha que é piada ) mais só de você amigo tricolor fazer um post pra explicar que na sua visão não há nada de errado em fazer manifesto politico usando o nosso escudo é sinal que no minimo faltou prudência a esses tricolores !!! Saudações

  3. Felipe Fleury sempre escrevendo com propriedade e conhecimento de causa.

  4. Sem querer fugir do assunto central, mas já fugindo, há uma peculiaridade em toda essa história que lhe confere um certo humor.

    Pois eis que acusam de usurpadores exatamente aqueles que se mobilizam e agem para combater quem?

    Raimundo Nonato? Não, os usurpadores.

    O que mostra o quão uma parcela da nossa sociedade está afastada da realidade, ao ponto de achar natural se o poste mijar no cachorro.

    ST

    1. Eis a verdadeira usurpação, Marcelo, no sentido mais apropriado da palavra. ST

    2. Lei do Universo. Quem semeia vento colhe tempestade. Primeiro Blogs progressistas reclamam do patrocinador (Guaraná) FLU que foi militar no passado, depois dizem que o Presidente Figueiredo não pode ser presidente de honra do clube porque era militar, agora fazem campanha política pro governo associando indiretamente o manifesto ao Fluminense/torcida do Flu. Como dito no texto, o FLU é de todos e não de uma minoria progressista.

  5. Vc achou base legal para usar o simbolo do FLU ? Parabéns. Mas não é essa a questão. Se fosse um grupo nazista usando o escudo seria mesma reação. Religiosos usando para defender sua causa idem. Se esse manifesto não tivesse o escudo do FLU ninguém ia dar atenção, nem conhecem quem assinou acho que 2 ou 3 no máximo. Maioria dos tricolores são contra o Gov Fed e nem acredita em “Golpe” que tricolores progressistas gritam aos 4 ventos e ainda xingam de racistas, fascistas quem pensa o contrário.

    1. A questão, Flavia, se você leu e compreendeu o texto, foi rebater a acusação de USURPAÇÃO da marca Fluminense. Tentei mostrar que isso não ocorreu através de argumentos jurídicos. Não entrei na seara subjetivista da oportunidade ou não da publicação do manifesto num blog esportivo. Essa questão atine ao autor do texto e a quem autorizou a publicação. Quanto ao uso do escudo, acho que isso ficou suficientemente claro na minha explanação.

  6. Parabéns pelo texto! No grupo “Fluminense”, no face, haviam alguns posts criticando o manifesto do “tricolores pela democracia”. Publiquei uma defesa do direito de expressão daquele grupo e afirmei que poderiam criar algo a favor do impeachment, por ex. Após civilizado debate, no dia seguinte a publicação foi deletada, sem qualquer justificativa, permanecendo os demais posts políticos. Após insistir por uma justificativa, afirmaram que não permitirão outros posts políticos e apagaram todos…

    1. Obrigado, Guilherme. É assim que agem aqueles que não têm argumentos, não sabem lidar com o debate saudável. ST

  7. Felipe Fleury, estaria você aqui neste seu espaço deste blog, tecendo essas inúmeras linhas, palavras intermináveis e recheadas de termos jurídicos (creio q vc atue na área), com tantas citações à leis, incisos, cáputs e mais uma monte de outras terminações justamente pq vc foi um dos q assinou o tal manifesto POLÍTICO e q sim, usou INDEVIDAMENTE a marca do Fluminense Football Club? Está sendo interessante ver como as conveniências caminham juntamente aos interesses, sejam eles quais forem.

    1. César, o fato de eu ter assinado o manifesto não significa que os argumentos que expus tenham perdido o seu valor. Se você os leu, você entendeu. Nada foi inventado. É a lei. Não fiz uma defesa de paixão, usei o Direito. E se manifestação foi legal, não foi INDEVIDA. Se você a considera inapropriada, essa é uma outra questão, mas indevida, nunca.

  8. Felipe,
    Boa tarde.
    Penso que seu texto deve ser usado como um adendo ao manifesto, embasado em duas premissas básicas de argumentação: fatos expostos com clareza e ideias que sedimentam os mesmos. Digo mais: o texto é brilhante. Parabéns.
    Saudações literárias, mas com valor de jurídicas,
    Waldir Barbosa Jr.

  9. Milhares de aplausos, Fleury. Texto absolutamente irretocável. Deveria estar na cabeceira de todos os que assinaram o Manifesto.

  10. Fosse eu um editor da espn, mandaria o cara embora. Se eu contrato alguem para escrever sobre economia e o cara me escreve de culinaria, eh rua!

  11. Por mais que legalmente os escritores do blog nao infringiram nenhuma lei, nao se pode negar que criou-se uma associacao indireta entre o q foi dito e o fluminense/torcida do flu. Ate pq, no fim das contas, o manifesto foi publicado numa coluna conhecida como blog de assuntos referentes ao Flu e seus seguidores. Tanto é que o clube se apressou lançando nota pra mostrar q nao tinha relacao com aquilo.. Foi no minimo desnecessario usar tal espaço para uma manifestacao politica.

    1. Concordo plenamente Rafael. Um simples ato do autor do referido texto de remover o escudo do Fluminense, evitaria todo esse blá blá blá. Se viu q estava tomando proporções como essas, pq não tirou? Seria vaidade? Enfim, legal q não querem admitir em nenhuma hipótese q o escudo do Fluminense foi sim usado de maneira indevida, estando isso na lei ou não. Criou-se agora uma separação desnecessária na torcida e isso a poucos dias de uma final de campeonato. Parabéns aos envolvidos.

    2. Esse é um argumento válido, Rafael. É assim que se debate.

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