Pó de arroz, um réu (por Paulo-Roberto Andel)

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Hoje, mais uma vez a torcida do nosso Fluminense (nosso sim, por mais que alguns pretendam ser seus donatários pelos arroubos de vaidade estúpida) verá a história do clube ser marcada pelos tribunais.

Uma da tarde, décima Câmara Cível, a batalha final: o pó de arroz poder ou não ser usado para as comemorações de arquibancada.

Faz pensar.

Eu era uma criança quando fiquei encantado com a sensação de andar nas nuvens quando o time do Fluminense subia o túnel à esquerda das cabines de rádio no estádio outra conhecido pelo nome de Maracanã. E o encantamento fez com que meu pai me trouxesse muitas e muitas vezes. Para as crianças, ver o Fluminense adentrar o gramado era o equivalente a estar num avião atravessando o céu.

Ou o horizonte cheio de algodão doce.

Quantos torcedores daqueles tempos foram cativados para sempre só por causa do pó de arroz? Tem algum escáuti disponível a respeito?

Mas isso tudo é passado.

Está inaugurada a era de lindas e confortáveis arenas modernas, pouco importando se, pela própria “negligência”, cinco mil torcedores ficam de fora de uma partida de público médio para os padrões atuais. Tudo é belo e perfeito, exceto o talento para a mentira.

Nas lindas arenas, jogar pó de arroz pode ser um atentado à respiração pública, mesmo que jamais um torcedor tenha sofrido qualquer malefício do inocente talco.

Não se pode ficar em pé, mas se der algum merderê a polícia demora demais.

A segurança profissional da garbosa arena pouco oferece além de uma carranca inútil.

Mas o problema, claro, está no pó de arroz. Ele é nocivo, é perigoso. Ou é na verdade um excelente pretexto para sabotar o Fluminense.

Ficamos um tempo sem pó de arroz, sem Maracanã, sem um monte de coisas.

A torcida do Fluminense nunca desistiu, mesmo diante de todas as intempéries. Suportou todos os massacres possíveis. O clube já aguentou todas as infidelidades que se possa imaginar. Dos torcedores, desnecessário comentar, vide 2013.

Para alguns, o julgamento do pó de arroz é apenas uma besteira. E pode ser mesmo.

Mas, se uma tradição secular do nosso time é classificada como tal, a reflexão passa a ser muito maior.

Publicar esta coluna pode ser uma besteira, por exemplo. Ou lê-la. Ou manter este site funcionando de graça, exigindo dinheiro do bolso dos sócios da casa, além de centenas e centenas de horas e horas de trabalho árduo e aporrinhações a quem o produz de domingo a domingo. As 1.500 páginas que eu escrevi aqui podem ser uma besteira. Tomara que sejam e foda-se: é um exercício libertador. Uma anti-coluna, escrita para não leitores.

Dezenas de notícias diárias, acontecimentos, eventos. A união em prol de uma causa de três cores. A solidariedade. A proximidade. O companheirismo. Talvez seja tudo uma grande besteira, não é mesmo?

A maior delas talvez não seja o futebol em si, mas o seu entorno. Os subterrâneos. As áreas de acesso restrito. A cracolândia da ética.

O que um dia foi a maior expressão desta terra vai tomando o inevitável caminho para a morte, feito as palavras de Gil. Não, o futebol não vai morrer, afinal tem ganância e dinheiro demais em suas veias e nervos. A morte é a da graça de se ir a um estádio, que cada vez mais se assemelha a um (mau) picadeiro. Afinal, palhaçada tem limite.

Gostaria de saber no fim desta tarde que o bom senso prevaleceu e que a história do Fluminense não foi amputada. Mas não tenho certeza. Tomara que dê certo.

Numa terra em que o filho da puta é mais respeitado e valorizado do que a pessoa de bem, onde o dinheiro fala mais alto do que qualquer caráter, onde a vontade de aparecer é maior do que a de construir, não custa confiar desconfiando. Floriano Peixoto já sacava isso no outro século.

A principal função do pó de arroz era fazer todo mundo ficar igual na grande nuvem, talvez por um minuto. O clube tido como o elitista deixava todos iguais.

Não entenderam nada, símbolo de quando a empáfia entrelaça as mãos com a suprema ignorância.

Parabéns ao Gustavo Albuquerque pelas lutas. Mais do que ninguém ele merece essa vitória. Tomara que ela venha. E meus pêsames pela memória de quem não poderia ter se omitido.

Do resto, o tempo se encarrega. E coloca tudo no devido lugar, mesmo que seja no descarte.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: memorial tricolor

o fluminense que eu vivi garotinho tricolor

4 Comments

  1. Todo o apoio a essa luta pela tradição implantada pelo Careca. Parabéns ao Gustavo pela luta.

    Até a Vitória Final!!!

    P.S. não poderei comparecer pois não estou bem fisicamente para sair de casa. Mas isso é temporário.
    Em pouco dias na luta pela valorização do Flumimense!!!!!!!

  2. Pois é meu caro Andel, não tenho vinculação política com o clube, sou apenas sócio torcedor, mesmo não usufruindo dos benefícios que isso me confere, pois moro em Manaus. Agora é de pasmar a informação de que nossa diretoria se omitiu no momento em que o Clube corre o risco de ver quebrada uma de suas maiores tradições. É isso mesmo? Inacreditável!

  3. Andel,
    O pó de arroz não pode e não vai acabar!
    Pelos milhares de tricolores que virão e por todas as crianças (incluindo os adultos que viram crianças na hora da entrada em campo) que frequentam nossas arquibancadas.
    Vamos torcer mais do que pela barrigada de 95 ou pela cabeçada de 2008 pela nossa vitória de hoje!
    Esta será tão importante para nossa história quanto gols de títulos.
    #opódearroznãopodeacabar

  4. Andel,
    cracolândia da ética, fantástico! O retratista ainda habita o Laranjal?
    Vamos ao cerne, se o Gustavo ganhar hoje, Oxalá ganhará, sugiro crowdfunding, ou melhor crowd é o esquimbau, que a Adidas banque um boneco de cera em tamanho real do Careca para dar as boas vindas aos tricolores que frequentarem a loja do FFC Maraca.
    A pergunta que não quer calar, como pode o FFC não cerrar fileiras nessa com ele?!… Ah tá…, não abriu a boca para Flamenguesa, por que abriria pelo pó de arroz,…

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