Início dos anos 1980. Arcanjo Calabouço estava nas bocadas do bicho, mas também muito ocupado com o final da lucrativa indústria da morte. Ele e seus colegas de ofício andavam indignados com o possível final do período da gloriosa revolução redentora.
Chiquinho me contou que andavam a se organizar para atos de tomar juízo contra os idiotas democráticos de plantão. Seu protetor queria porque queria que Zanzibar arrumasse uma brecha no seleto carteado para um apostador de mão cheia. Dinheiro não faltaria nas rodadas, assim como uísque do bom, caviar e cascata de camarão. O Jockey era uma boa opção. A ideia era fazer disso um trampolim para pongar o malandro para dentro do club, e, quem sabe, ajudar os amigos a se preparar para possíveis vacas magras. Era necessário construir a imagem de um benfeitor, nada mais do que isso. E, claro, como sempre, aproveitar a péssima fase do time bem como o ambiente caindo pelas tabelas de grana.
Chiquinho havia casado, após perder o amor da Pantera para o Calígula de Cascadura. Passou a ir ao Maracanã, incólume, nas arquibancadas só pra tacar copinho de urina nos geraldinos. Esperava o Careca passar e mandava ver. Era sua terapia. Mas era pouco. Casar-se era sua auto-punição, já que não poderia jogar napalm nas gerais do Maracanã. Talvez essa limpeza étnico-racial apaziguasse seu coração. Uma pena…
Mas veio o casório, e nada de Chiquinho comparecer à satisfação dos desejos erótico-afetivos de dona Esmeralda. Filha de imponente dono de joalherias, com tentáculos no Araguaia adentro, era pura sedução nas altas rodas das vetustas famílias de bem cariocas. Sedutor, Zanzibar se apresentou como um verdadeiro Don Juan. Já ele, o marido machão, desfrutava de um esquema do DOI de lhe avisar quando prendessem na Patamo alguém que aceitasse suas luxúrias. Chiquinho pagava, e caro, para dar um rolê de devassidão num camburão, com o meliante, pelas ruas do subúrbio. Se despinguelava todo de prazer e tesão. Depois, bochechava com a vodka russa que carregava em sua garrafinha, entrava no club e descursava no conselho, inflamado ainda com resquícios dos orgasmos.
Alguns anos se passaram e nada de vir um rebento. Chiquinho me diz que só mantinha relações com Esmeralda com as luzes apagadas, mas com o fio terra bem ligado. “O que é que você vai fazer, domingo à tarde? Pois eu quero convidar você para sair comigo. Passear por aí numa rua qualquer da cidade! Vou dizer pra você tanta coisa que pra ninguém eu digo.” Sim, caros leitores. Zanzibar pensava na Pantera enquanto escutava esse bolero, de Nelson Ned, e só tinha ereção nessa condição. Era um terror para a filha de um dos Curiós do Brasil, Ame-o ou Deixe-o Querido fazer amor, assim, e ainda engravidar. Mas a chave para entendermos a operação Jockey de Zanzibar está exatamente aí! Ele está aqui em meu ouvido, gritando “é tão triste passar o domingo sem ter um carinho!” E que seu filho não fala com ele faz muitos anos. Arcanjo e o Dedal de Ouro, o cara do bicho, ofereceram a ele uma criança. Vinha já prontinha, lá da Argentina, onde tinha descoberto uma plantação de crianças dos Motoneros. Coisa fina, mesmo. Bebês de alfajor, vinho, doce de leite e carne de primeira. Seria a solução para que os boatos do carteado e da sauna parassem de uma vez por todas. Bastava Chiquinho e Esmeralda passarem um tempo fora do Rio, enquanto providenciavam a criança e o concomitante entrosamento de Ouro nas rodas das canastras e dos pôqueres. “Se você, também vive tão só, sei que vai me entender. Sem amor, é sempre mais difícil a gente viver.”
Zanzibar se amargurava com a falta da Pantera, com as pressões para provar sua masculinidade ao seu sogro e dar uma ocupação da boa família branca de bem à Esmeralda. Vivia uma fase assombrada, desde que largou seu emprego de assessor do Mobral, trabalhando diretamente com o Coronel Passarinho e nas noites na Alaska.
E assim a boa sociedade carioca ganhou o mais novo herdeiro, limpando cada gota de sangue, depois de seu MBA forjar ideologia para tanto, de cada grama de ouro nas lojas deixadas por seu avô.
Panorama Tricolor
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Imagem: alva hitch