Naquele tempo, Maracanã era religião, você não ia somente para ver o jogo do seu time. Tudo, do percurso à chegada, das multidões em êxtase, da entrada das bandeiras à nuvem espessa de pó de arroz, tudo era fascinação para um garoto de dez anos de idade.
Lá em casa tinha uma programação fixa: de manhãzinha, pão, leite, presunto e queijo, tudo na padaria, depois vários jornais. Voltar pra casa, esperar o jogo das onze da manhã que passava na Bandeirantes, do futebol paulista ou uma reprise do carioca. Perto de meio dia, descer no intervalo e comprar lasanha na cantina Torna, que ficava na Anita Garibaldi. Segundo tempo, fim, então almoçar. Se o jogo fosse vazio, ficávamos para ver o Conversa de Arquibancada; se fosse clássico, era banho e tchau. Uma da tarde, uma e pouco, era hora de sair.
O 435 era mais rápido, ia pelo Santa Bárbara e eu suspirava quando passávamos pela Pinheiro Machado, espiando o campo mesmo sabendo que não havia ninguém. Às vezes era o 434, dava uma volta maior, mas a emoção era a mesma: quando chegava na Praça da Bandeira, lotada de gente, o coração batia mais forte porque o Maracanã estava perto e, nele, havia o Fluminense.
Não eram tempos fáceis em campo, mas isso em nada abalava a minha vontade de ir. O grande era ver os dois jogos, juvenis e profissional. No primeiro quase sempre a gente ganhava.
Com o passar dos meses, meu ídolo era o Edinho, meu e de toda a garotada, mas antes eu não me prendia a ninguém. Qualquer um dentro de campo todo de branco era o Fluminense em carne e osso. Miranda, Ademilton, Toinzinho, Carlinhos, Carlos Roberto. O Paulo Goulart jogava de camisa cinza escuro. Vencemos grandes jogos, perdemos outros. Éramos uma só torcida e, quando uma puxava o coro, todo mundo acompanhava. Na saída, todo mundo pegava os mesmos 434 e 435, que voltavam absolutamente lotados, coma resenha coletiva do jogo era intercalada com gozações a pedestres flamenguistas, ou saudações em coro para as travestis da Augusto Severo. Em casa, banho, janta e esperar os gols do Fantástico, depois o VT na TVE.
O que você lê agora eu escrevi à uma da tarde, bem na hora de descer e comprar a lasanha numa cantina que já não existe, para depois almoçar com meus pais que já não existem, louco para ir no Maracanã que já não existe. De resto, aquela velha paixão continua com quatro décadas de vivência. Os garotos de agora devem estar loucos pelo Sornoza, comemorando os golaços do Gilberto, esperando que Pedro reviva Fred e que Ibanez suceda Edinho – ou Ricardo Gomes ou ainda Thiago Silva. E daí que não dê certo? A vida é sonho. Ainda existe cachorro quente Geneal no Maraca, mas o refrigerante de tanque acabou.
No fim das contas, viver é voltar ao eterno – e distante – ponto de reunião que chamamos infância. Eu queria estar lá agora mas, dada a impossibilidade, o que me resta é torcer pelo Fluminense. Que criança tricolor não ficou contente depois de quatro vitórias seguidas? Pouco importa sobre os adversários, pois.
Pai, me puxa pela mão. Vamos para o ponto, vamos ver o Flu todo de branco no meio das nuvens. Estou vivo demais.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
#JuntosPeloFlu
Imagem: rap
Legal
Tb vivi esse tempo
Saudades do Fluminense todo de branco.
E o VT na TVE era domingo a noite e tb +- ao meio dia de segunda feira, que só dava para ver qd não tinha aula.
Tinha tb os leitinhos CCPL
Belo conto. uma poesia. parabéns.
Eduardo
Boa tarde Caro Tricolor!
Costumo ler suas crônicas e posso te dizer sem rasgação de seda piegas que tu és um escritor D’alma tricolor. Parabéns e grato pelos textos que nos impulsionam para longe desse ódio do qual está sempre a rebater.
Vou junto com minha filha Emília de 9 anos ao nosso primeiro Fra x Flu…infelizmente não será no maraca que não tive a felicidade de pessoalmente conhece-lo…será aqui das nossas bandas numa arena gourmet que outrora fora estádio de verdade. ST