Paysandu: o coirmão tricolor (por Felipe Duque)

PAYSANDU CRICKET, COIRMÃO DO FLUMINENSE NA CONSTRUÇÃO DO FUTEBOL E CRIADOR DO RÓTULO DE “TIME DO CHEIRINHO” PARA A DISSIDÊNCIA

O futebol do Rio de Janeiro tem uma peculiaridade em relação aos outros estados do Brasil, praticamente todos os times criados no período na era do amadorismo e que se encontravam na elite do futebol da cidade naquele momento, ainda existem. Alguns desapareceram a partir das transformações da cidade, ou pelos associados que não enxergaram potencial do esporte, outros, simplesmente, “jogaram a toalha” após desempenhos contínuos deploráveis como o time da Mangueira, clube de operários da fábrica de chapéu “Mangueira” (logicamente, rs) localizada na Tijuca. Esse time entraria para o Livro dos Recordes após tomar a sonora goleada do Botafogo no Carioca de 1909 pelo assustador placar de 24 x 0.

Porém, um dos casos mais curiosos foi o do clube, Paysandu Cricket Club, um clube de ingleses. Antes de falarmos mais sobre essa instituição, vamos resgatar um pouco o contexto histórico do período. Sabemos do protagonismo dos ingleses na transferência da Coroa Portuguesa em 1808 a partir do Bloqueio Continental estabelecido por Napoleão. O prêmio do príncipe regente Dom João para os britânicos seria o decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas no mesmo ano, o que inundaria o Brasil de produtos do país anglo-saxão (havia uma produção represada considerável naquele contexto de I Revolução Industrial como desdobramento do Bloqueio de comércio estabelecido pelos franceses). Além disso, foram dadas concessões aos britânicos para a construção de ferrovias e outros serviços no país no final do XIX e início do XX, como iluminação, limpeza urbana, administração de bondes etc. Com a vinda de ingleses, consequentemente, novos costumes permeariam a vida daquela ex-colônia, como o hábito de se barbear todos os dias, o pão de trigo, o bife com batatas e o mais fundamental para todo brasileiro: o consumo da cerveja (até então, a bebida mais consumida, pela influência dos portugueses, era o vinho).

Os gringos britânicos também trouxeram consigo práticas esportivas, como o remo e o turfe. Porém, a mais interessante, era a variação de um esporte praticado pelos nobres medievais do século XVI, o tal do Cricket. Um terreno, alguns tacos e uma bola, determinavam a adoção de um esporte que durava dias. Logo temos a fundação do Rio Cricket em 1872, num terreno alugado em Botafogo, instituição que logo se fragmentaria em duas, com a formação do Payssandu Cricket (1880) e o Rio Cricket de Niterói (1897) – as disputas esportivas entre esses clubes (incluindo o futebol) receberiam a famosa alcunha de “Clássico dos Ingleses”.

Embora o Rio Cricket de Niterói (clube do pai de Oscar Cox) tenha aberto as portas para a primeira partida de futebol do Rio de Janeiro, é o Paysandu Cricket (considerado o primeiro clube desportivo do Brasil) que permitiria o desenvolvimento do esporte através da figura do associado Oscar Cox. O terreno esburacado alugado de Conde D’eu e depois comprado por Guinle na rua Paissandu era impróprio para “rolar” a caríssima e primeira bola do Rio de Janeiro, da marca DuPont, trazida por Cox em 1896. Mas a insistência no novo esporte naquele campo acabou resultando em remendos naquele espaço que seria utilizado pelo Flu até a inauguração do campinho da Rua Guanabara em 1904.

A fundação do Fluminense agora colocava nosso coirmão como rival e nos daria a primeira derrota da nossa história. Após a goleada sobre o Rio Football, o clube dos gringos nos deu um placar de 3 x 0, destaque para o inglês Caywood Robinson que marcou dois (e que teria feito o primeiro gol numa partida oficial daquele primeiro jogo em Niterói). Derrota que não apagaria a parceria e que sempre culminaria em times mistos das duas equipes para amistosos interestaduais.

Na constituição de uma federação de futebol para o Rio e a construção de um campeonato específico para a prática do esporte em 1906, o Paysandu sempre foi voluntarioso, mesmo com o olhar desconfiado de seus sócios que davam mais peso ao cricket e até o rúgbi. Na primeira partida entre os clubes pelo carioca do ano citado, uma sonora goleada do Flu de 7 x 1 com um Horácio dos Santos endiabrado assinalando três tentos. A partir dali, seriam 18 jogos entre os times, com 10 vitórias para o Fluzão, 2 empates e 6 derrotas. A principal delas no campeonato carioca de 1912 com o placar de 5 x 0 e três gols de H. Robinson, artilheiro daquele campeonato com 26 gols, e que consagraria o Paysandu campeão.

É no campeonato de 1912 que inauguraria a famosa “camisa de goleiro”, ou seja, uma identificação diferente dos jogadores da linha. Naquele campeonato, o Flu estava totalmente fragilizado após a dissidência do time no final de 1911 que iria fundar o departamento de esportes terrestres do Flamengo. O tricolor fez uma participação modesta ficando em quinto lugar (atrás do Rio Cricket e América).

Uma campanha impecável do primeiro lugar, Paysandu, com a defesa menos vazada, estreava um fenômeno comum ao vice-campeão daquele ano em sua primeira participação. A dissidência tricolor, favorita ao título, após um bom começo, inaugurava a era do “cheirinho” (situação que se repetiria no Carioca de 1913 com o título do América e sempre acompanharia a história do Flamengo). Nossos vizinhos das Laranjeiras, o Payssandu, nos vingaria naquele campeonato de 1912!

Logo após o título de 1912, nossos co-irmãos da Rua Paissandu, ainda disputariam o Carioca do ano seguinte e o do 1914, com uma vexatória posição de último lugar, sequer indo jogar uma espécie de “repescagem”, prevista no regulamento, contra o campeão da segunda divisão (ali se definia quem ficaria na elite do futebol carioca). Internamente, se decidiu pela dissolução do departamento de futebol e a transferência do aluguel do campo da Rua Paissandu para o Flamengo (o terreno pertencia a Guinle).

Depois disso, o clube ainda ficaria um tempo em Copacabana reduzindo suas atividades para a prática do tênis e Lawn Bowls (espécie de boliche na grama). Depois iria se consolidar na atual sede do Leblon em 1953, ampliando suas práticas esportivas e sua parte social, além da alteração do nome para o brasileiríssimo Paissandu.

De qualquer forma, nossos coirmãos foram fundamentais para a constituição do futebol carioca, seja cedendo seu espaço para a prática, seus jogadores para a composição da seleção do Rio de Janeiro, promovendo amistosos com o Flu para o desenvolvimento de habilidades e o nos vingando dos dissidentes ao dar o cartão de “boas vindas” no Carioca de 1912 para o time do “cheirinho”.

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