Sou da opinião de que a história do Fluminense exige um time de onze jogadores excepcionais e um elenco contando com, pelo menos, cinco jogadores futurosos no banco de reserva, revelações ou jovens à busca de espaço no mundo excludente do futebol. Sou da opinião de que nossa história, nossa torcida, nosso clube, enfim, tem direito a isso. Não aceito ver um garotinho torcendo pelo Barcelona ou pelo Bayern numa cidade que abriga o Fluminense (e, vá lá, o Flamengo, o Vasco, o América, entre outros). Sou fã de craques, midiáticos, como Maradona e agora Neymar, ou não, como Assis e Deley. Dito isso, posso começar minha coluna.
Confesso que, muitas vezes, os patinhos feios me emocionaram mais no futebol do que craques incontestáveis. Poderia falar dos outros e confessar a emoção que senti, por exemplo, ao ver um jogador inexpressivo, com nome de doce baiano, ter a ascensão e queda mais rápida da história do futebol – lembro, claro, de Cocada, do antigo Vasco da Gama, um clube adormecido e entregue às baratas, que fez um gol de título num minuto, se não me engano os 44 do segundo tempo, e foi expulso no minuto seguinte. Poderia falar de Jacozinho, o inesquecível pontinha alagoano que fez o gol do jogo de despedida de Zico, com passe de Maradona (o time dos “amigos” de Zico venceu com o gol de Jacó). Poderia lembrar do engraçadíssimo Dadá Maravilha, craque com as palavras e dono do gol, mas patinho feio no trato com a bola.
Falemos do Flu, no entanto. Quando uso a expressão patinho feio para recordar um pereba de bola, não tenho a intenção de trazer à memória jogadores sem qualquer requisito técnico. Se fosse o caso, em se tratando de Fluminense e tendo eu vivido ativamente a década de 1990, poderia fazer uma lista infindável, que hoje seria complementada por alguns dos jogadores-scout de nosso elenco. Patinhos feios não são jogadores exatamente ruins. Estão mais para Dadás e Jacozinhos do que para Itaberás ou Paulos Apitos. Não são bons no jogo, mas sabem jogar; não são craques, mas funcionam muitas vezes como se fossem; não nasceram com talento, mas têm estrela. Por isso, na minha opinião, funcionam exatamente como contraste necessário para que nós percebamos o brilho diferenciado dos craques.
Escrevo isso tudo porque a recente contratação de Antônio Carlos me trouxe à memória seu momento patinho feio, já eternizado na história do clube. Ele, aliás, ao lado de Euzébio, Gum e Adriano Magrão (herói de um título nacional do Fluminense, sendo o jogador decisivo da campanha de um time que tinha Thiago Silva, Arouca, Cícero, Carlos Alberto e, no banco, Tiago Neves) são alguns dos maiores patinhos feios recentes da história do clube. (Fico pensando onde anda Magrão? Quantos anos tem? Ganhou dinheiro com o futebol?)
Fiquemos com Antônio Carlos. É bom de bola? Não. É bom zagueiro? Médio. Tem seu valor? Sem dúvida, pois tem algumas qualidades e sabe usá-las. Ou seja, não passa de um jogador mediano, que pode fazer boa figura num grande elenco ou afundar-se com um time confuso. Mas, como disse, Antonio Carlos tem a vocação do patinho feio. Esqueçam esse negócio de zagueiro-artilheiro, coisa que ele é mesmo (deve tornar-se, neste edição, o zagueiro que mais gols fez no campeonato brasileiro em todos os tempos). O fundamental é que Antônio Carlos tem estrela.
Quem estava lá, certamente lembra. O Fluminense fez uma inédita final com o Volta Redonda, recanto que abrigava Túlio Maravilha, já decadente, mas ainda com faro de gol. Uma final como esta, normalmente, acaba com duas goleadas do time grande, no caso o Fluminense. Mas, com o Fluminense, nada ou quase nada é assim tão fácil. Na primeira partida, começamos arrasadores e fizemos dois gols, se não me engano em 5 minutos (do primeiro tempo, vejam só). Pois bem, tomamos a virada e o Voltaço chegou a abrir 4 a 2. A gente só foi descontar com um gol de Tuta no apagar das luzes do segundo tempo.
O mundo caiu. Tirando a gente mesmo, creio que o Brasil inteiro torcia para o Voltaço na segunda partida. Nós faríamos o mesmo, certamente movidos ou pela rivalidade local ou pelo eterno apoio aos Davids em suas batalhas contra os Golias. Para não perder tempo: David venceu até os 46 do segundo tempo, pois o jogo até ali estava apenas 2 a 1 para a gente e isso não bastava. Precisávamos de mais um gol.
O lance fala por si, mas hoje não pode dispensar a legenda com a declaração sincera de nosso eterno patinho feio: “Não sei o que estava fazendo ali naquele momento”, confessou Antônio Carlos recentemente. Vejam e aproveitem para comparar a narração profissional do botafoguense Luís Penido com a cautela recalcada do narrador da Globo, que afirmou, aos 47 do segundo tempo: “Pode ser o gol do título”!(A propósito, o comentarista Noronha aproveitou para falar da falha do goleiro e o tricolor José Roberto Wright, ao final, lembraria que o segundo gol do Flu foi irregular, ao contrário do terceiro.)
Penido: https://www.youtube.com/watch?v=fGXtH2VCHH4
Globo: https://www.youtube.com/watch?v=0ddCxwJOvq8
Sou fã de Antônio Carlos? Sou. E de Adriano Magrão? Também. E acrescento logo: sou fã de qualquer jogador que tenha ajudado decisivamente para construir a história vitoriosa do meu time de coração, incluindo Junior Cesar, Gabriel, Roger, Marcão, Diguinho, Valência, Euzébio e outras figuras ainda menos relevantes. Quero que voltem para o clube? Nem todos. Mas se voltarem, saberei respeitar a história que construíram com a gente, para a gente. Em outras palavras, gosto de craques, mas gosto muito mais de história. Se não temos hoje como montar um time de cães, que tal caçarmos com gatos? Já fizemos antes, podemos fazer de novo.
Panorama Tricolor
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