No começo era o silêncio. Caminhando pela rampa, cercado por uma multidão festiva e tensa ao mesmo tempo. Como se nenhum som fosse produzido, meus ouvidos anularam as conversas, os cânticos, as buzinas, a vida que passava ao meu redor. Segurando a mão de papai eu era levado na direção do encanto. Via as pessoas na altura da cintura. Acabara de completar 9 anos. Corpo franzino, canelas finas e óculos. Este era eu.
O som não vinha.
Papai me falava provavelmente sobre o tamanho do Maracanã, daquela multidão, mas o som na vinha. Decifrava suas palavras pelo movimento dos lábios.
Entrando no corredor que levava às cadeiras vi ao fundo o verde do imenso gramado. Nunca mais me pareceu tão grande. Era infinito. O via quase na altura do campo. Levaram alguns anos para que eu conhecesse a parte superior do estádio. Ali meu pai se sentia mais seguro para me levar àquela época.
A banda tocou o hino, que balbuciei, pois não escutava uma nota sequer. A agonia de se sentir incompleto. De onde poderia vir o som? Ele voltaria aos meus ouvidos algum dia?
Meus olhos colados em Romário. Ele estava por todos os lados, como se fosse múltiplo. E era. O baixinho de pernas arqueadas toca por cima do goleiro com a ponta da chuteira e a bola beija brutamente o travessão. As bocas dos torcedores em bico de “uuuhhh”. Nada mais se ouvia. A batida frenética de um coração em aflição era o que mais se aproximava de um som.
Primeiro tempo sem gols e todos em silêncio. Será que não iríamos para a Copa?
O segundo tempo como o primeiro. Só um time jogava: o nosso. Só um jogador brilhava: Romário.
Bola na linha de fundo, pela direita, para Bebeto. Cruzamento na cabeça do homem de 1,68 m. Voou. Parou no ar. Parou o tempo. Cada brasileiro naquele estádio encheu o pulmão e segurou a respiração. Olhos vidrados lacrimejavam já que o cérebro não enviava ordens para que as pálpebras piscassem. Unhas na bocas, dentes cerrados.
Lá estava ele pairando no ar, como se não houvesse gravidade. Testa de pedra na bola. Para o chão, como manda o manual, por debaixo das pernas de Siboldi, o goleiro uruguaio.
O som veio de dentro. Brotava do gramado. Reverberava na atmosfera. Um estrondo de proporções apocalípticas. Cem mil pulmões a gritar. Gooooooooooooool!!! Meu pai me jogava no ar, me sacudia. O som voltara.
Por 43 anos o Maracanã permaneceu em silêncio em jogos do Brasil. O Uruguai havia nos calado para um quase interminável velório. O fantasma de 1950 poderia seguir seu caminho na direção da luz. Não haveria mais silêncio. O Brasil era campeão mundial naquela noite. Diante de meus olhos. Nada poderia nos tirar o título após aquele gol.
Papai perguntava:
– O que você mais gostou no Maracanã, filho?
– Do barulho, pai. Do barulho.
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