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Quando saltei do 434 perto das seis e meia da noite e vi a velha UERJ à direita, voltei no tempo. Podia ser depois daquele jogo inesquecível contra o Vasco em 1989, ou mesmo outro qualquer, daqueles em que se matava uma aula chata para ver o Flu – Ézio, Wagner, Bobô. O lanche era no terceiro andar, faculdade de física, a cantina da fome: pão com ovo e salada, limonada, tudo barato em tempos de Collor, Itamar e FHC, esse aí da mudança. Mesmo na merda, era bom ter o futuro à vista. O futebol era mais simples, humilde, sem estrelismos hollywoodianos ocos.
Vinte anos foram embora, o Flu desceu aos infernos, viu a Terra da Lua, voou rasante e agora segue em seu 2014 frustrante, com seus milionários veteranos acomodados – muito cansados -, talento em trocados e uma esperança vã que alimentamos porque somos torcedores, amamos, esperamos que qualquer guitarrista pop seja David Gilmour e faça o melhor solo de todos os tempos.
Temos dez mil maníacos pelos nossos jogos, vinte e poucos mil sócios, cem mil paupérrimos com dificuldade de colaborar e novecentos mil alheios a qualquer coisa que não seja a cornetagem em redes socias – uns poucos em falso tom blasé professoral, típico dos inseguros recalcados. Também temos uma grande investidora quebrada que paga, manda e desmanda nas Laranjeiras. Para finalizar, dispomos de um excelente ex-time: jogadores de porte, com passagem em seleções e passado de glórias. Opa, faltou o treinador: cracaço de outrora, tinha as cartas na manga para se consagrar, mas se perde no extraterrestre. Sem barriga cheia.
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Tudo é repetitivo demais. Um primeiro tempo razoável e o segundo, de chorar. Gols perdidos, alguns por azar e outros porque insistimos na tese de que 2014 é 2012 e 2013 não existiu.
O Marlon é um excelente zagueiro e o Rafinha veste a camisa com tudo. Fernando, bom garoto também.
Cícero luta o tempo inteiro e, enquanto o corpo aguenta, voa feito águia.
Quando Conca não vai bem, o Fluminense torna-se acéfalo. Ao menos, luta o tempo todo. O argentino claramente sente a segunda temporada seguida sem férias, além da sobrecarga do meio campo tricolor.
Fred foi artilheiro de glórias. O que custa ter humildade e pedir substituição numa noite de nulidade? Pior: tentando reviver o que já fez, ajuda na marcação, o que lhe deixa nos trinta minutos finais dos jogos na condição de transeunte. Uma atuação deprimente, sem ganhar uma bola na frente ou mínima corrida. A bola no pé da trave é pouco para novecentos mil mensais. Não estamos em 2009 e nem em 2012.
Cristóvão pediu para ouvir. Dizia que a torcida reclama de barriga cheia. O xingamento foi justo, embora desagradável. Abusou da paciência da torcida. A meia hora final do jogo foi de um futebol arrastado, pastoso, sem ímpeto. A Chapecoense ganhou de cinco? Pior para nós no Beira Rio. Deu pra ti.
Quarenta e dois do segundo tempo, desespero e Cavalieri demora um dia para bater o tiro de meta, como se tudo estivesse bem.
O Atlético pouco atacou, usou chuveirinhos no fim, de modo que Fabrício não foi trucidado nem virou herói. Simplesmente nada que preocupasse.
Kenedy? Pfff…
Não quero irritar o leitor com derrotismo. Cada um sabe de suas dores. Eu não sou um pessimista. Não escrevo com o fígado, não sinto cheiro de sangue. Mas pergunto: até quando seremos reféns sentimentais de 2012? Procurar o que já não existe?
Conca, Cícero, Marlon, a garotada, reforços pontuais e anos de humildade, sem nariz empinado e elitismo pueril. Uma realidade cada vez mais a caminho.
No fim de noite, o alento foi conversar com o Álvaro e o Nelsão. Nunca fomos tão tricolores. O Tiba junto.
Hora de dignamente somar os 48 pontos e o que vier disso é lucro.
Salvou-se a linda lua cheia bem em cima do Maracanã, daquelas quando Paulo namora com sua linda Marina, alguém entoa um blues na ponta do Leme, um poeta de vanguarda compõe para sua linda bailarina Juliana – ou dois jovens amigos discutem rindo sobre um baseado roubado – a lua é também linda e chama o tom de Marina ao longe – os trens correndo como sangue em veias de aço que são os trilhos urbanos.
3
Um buraco na Cruz Vermelha e levo um tombo. Ivan, o melhor garçom do Rio, deixou o Vieira Souto. Figura humana, amigo, simpático, atencioso. Eu e Leo vimos muitos jogos no Vieira desde 2010, partidas emocionantes na Libertadores.
O Tricolor vai voltar, talvez ano que vem.
A saída do Ivan é emblemática. Ninguém perde o melhor garçom do Rio em vão. É como se fechasse um ciclo do Fluminense, o que faz todo sentido. A vida continua num domingo. Alguns rasgarão tabuadas e acreditarão no penta.
Ainda sobre David Gilmour e sua guitarra que corta a alma: “Goodbye blue sky”.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: pra
Sempe enxergando poesia, mesmo nos mais casuais dos momentos. Abraços tricolores, sempre!!!
A continuar desse jeito…os 10 mil maníacos irão cada vez diminuir mais…lembra que ja foram “os 15 mil de sempre”? Pois é….ao que tudo indica, mais um ano jogado fora…e ainda querem que o programa SF cresça…acompanho o Flu desde 1984, sempre indo aos jogos e conheço diversos apaixonados..mas confesso que jamais vi nossa torcida tão desanimada…pq será?
Excelente cronica sobre o momento atual do Fluminense e bela resenha pós empate.
Mas pelo visto o nosso querido Cristóvão vive no mundo da lua…
Os 10.000 maníacos continuam amando e torcendo pelo único Tricolor que existe.
ST!!