O Fluminense vive uma situação inusitada neste início de temporada. Temos um “time titular” com vários jogadores que deveriam estar no banco e um “time reserva” que conta com meias talentosos e vários jogadores que merecem, há tempos, a titularidade. No sábado, contra o Vasco, tivemos uma ótima oportunidade de testar alguns jogadores e até mesmo uma mudança de esquema que pudesse melhorar o “time titular”, também conhecido como os onze do Abelão. O Flu, apesar do resultado excelente, não teve desempenho tático e técnico satisfatório contra o Millonarios na Colômbia. A necessidade de talento pelo meio e de uma postura mais ofensiva e objetiva nas duas fases do jogo, estão latentes desde o início da temporada. E assim foi feito por Abel que mudou o esquema e várias peças para poupar seu time titular e privilegiar um meio de campo com muito mais qualidade. Mais uma vez era a hora do “time reserva”, recheado de titulares, entrar em ação.
Para o clássico, o Tricolor foi escalado no 4-3-1-2, o famoso 4-4-2 losango. O Flu engoliu o fraco rival com superioridade numérica nos setores e técnica. Com o domínio da pelota, tínhamos Wellington na proteção da zaga e três meias com qualidade para, enfim, a equipe ter brilho no toque de bola, sobretudo pelo centro. Martinelli, Nonato e Ganso foram muito bem na cobertura dos espaços e, principalmente, no fornecimento de qualidade técnica para o meio da equipe. Quando perdia o domínio e entrava na fase defensiva, o Flu se defendia montando uma linha de quatro eventual com Wellington de primeiro volante, Nonato de segundo, Árias pela esquerda e pela direita Martinelli. Até Ganso ajudou a marcação no setor. É bom frisar que o coletivo funcionou bem em virtude da qualidade técnica conferida ao meio de campo. O primeiro gol, que teve tabela e passe de calcanhar, foi o retrato desse “time reserva” que tanto agrada ao torcedor. Sofrendo há um bom tempo com equipes reativas, a torcida vive uma ânsia de voltar a ter um time impositivo, que jogue futebol. E agora temos qualidade técnica no elenco para isso. Abaixo o 4-4-2 losango escalado por Abel contra o Vasco.
A atuação foi irretocável, jamais esquecendo da fragilidade que hoje assola o adversário. As atuações de Pineida, Martinelli, Nonato, Ganso e Árias, todos reservas na teoria sem lógica de Abel Braga, chamaram a atenção, sobretudo a atuação dos meias. Parecia que pelo menos Martinelli e Arias teriam a merecida titularidade contra o Millonarios pela Libertadores. O meio campo oco do “time titular”, sem passagem pelo centro e sem meia de ligação, havia encontrado novamente soluções óbvias em seu “time reserva”, além de lições de ordem técnica e tática. Mas a esperança do Tricolor foi para o ralo nos momentos que antecederam o jogo da volta. Tirando a entrada de Cano no lugar de Fred, que se deu em virtude de contusão, Abel manteve seus onze jogadores preferidos espalhados em um esquema que necessita de adequações táticas e insistiu em jogar com vários atletas mal posicionados. E, não podemos esquecer, daqueles que nem deveriam integrar o time titular.
Como esperado, o time colombiano veio para jogar. Essa é a sua forma de atuar, se impondo e sendo agudo na fase ofensiva. Gameiro colocou Celis, um ponta veloz para substituir Sosa e desenhou o Millonarios no 4-4-2, com Ruiz saindo da esquerda para criar e Diaz se juntando a Erazo para enfrentar a linha defensiva do Flu. O Tricolor até tentou se impor nos minutos iniciais, mas em pouco tempo a rotação caiu muito e o adversário ganhou campo para jogar. Em vez de se impor tecnicamente, o Fluminense decidiu flertar com o perigo e ofereceu campo e bola para o rival. A consequência foi um primeiro tempo fraco, com o Millonarios tendo mais posse de bola e comandando as ações ofensivas do duelo. O Fluminense não conseguiu trabalhar uma jogada digna de aplauso na primeira etapa. Abaixo, o 4-1-4-1 de meio campo estéril dos onze preferidos do Abel.
O primeiro problema desse time é encaixar Felipe Melo e André. Ficou provado no ano passado que a joia tricolor é primeiro volante por natureza e perde muito do seu futebol jogando de segundo. Infelizmente eles habitam o mesmo lugar no campo e o 3-4-3, alternativa tática para o encaixe dos dois, perdeu espaço para o 4-1-4-1, esquema que ajustou melhor o sistema de marcação. Mal posicionado, André ficou muito retido ao lado de Felipe Melo. Yago, de forma atabalhoada e postiça, tentava pela esquerda fazer o papel de meia armador. Ou seja, ficamos com os nossos homens de frente cercados pela marcação adversária, laterais amarelados presos à marcação e um meio sem saída. O Flu sofreu de forma desnecessária durante o primeiro tempo inteiro e também em boa parte da etapa final.
Somente aos 15’ do segundo tempo, o Fluminense conseguiu executar bem uma jogada, fazendo o primeiro gol. A trama se iniciou com um passe longo de David Braz, afinal, o “titular titular” possui um meio campo oco e sem inspiração. Finalmente usamos o lado direito para fazer uma aproximação básica de lateral, meia e atacante, o que proporcionou espaço no lado oposto para a finalização de Bigode. Depois do gol, o time colombiano se descompactou muito e o comando tricolor resolveu mexer. Mas, em vez de um meia para trabalhar a bola, Abel tirou Cano e colocou Arias, sempre no intuito de dar campo e especular o espaço em detrimento de um futebol tecnicamente impositivo. E, como esperado, o segundo gol saiu a partir do aproveitamento desse espaço por Arias, que havia acabado de entrar. Cabe ressaltar que a jogada do segundo gol também se iniciou com um passe longo do zagueiro Nino, já que, como sabemos, o “time titular” não tem passagem pelo meio campo.
Entre erros e acertos, equívocos e teimosias, Abel Braga vai tocando o barco e as dez vitórias consecutivas parecem, em sua ótica deturpada, ter lhe dado a permissão de abandonar os problemas do time e fingir que atingimos o ápice. Ao declarar que seu objetivo é continuar com a invencibilidade e que estamos vivendo o que há de melhor, Abel ignora a realidade e, em nenhum momento, mostra humildade para enxergar o óbvio. Sua convicção de que tudo está perfeito demonstra uma desconexão preocupante com os problemas táticos e técnicos evidentes que assolam o time. O torcedor não quer recorde de vitórias ou apenas engolir a filosofia barata proposta pelo resultadismo, mas sim erguer uma taça de valor, algo que não acontece há uma década. Enquanto o “time titular” continua com esse desempenho decepcionante e sem meio de campo, o “time reserva” se prepara para jogar com qualidade e predominância técnica no final de semana. Salve o Tricolor!