Gosto do Maracanã. Sempre gostei. Mesmo que os políticos hipócritas tenham destruído o playground da minha infância a troco de dinheiro, continuei gostando. Posso dizer que minha escolha acadêmica levou em consideração vários fatores e um deles com certeza foi o de poder estar perto do estádio todo dia. Matei muitas aulas na UERJ para ver jogos tidos como desimportantes.
Segunda-feira passada, eu estava a caminho da rádio. Preferi não pegar o metrô e nem um táxi. Quis pegar um ônibus para reviver os velhos tempos de estudante.
Ainda tenho a velha sensação de outrora. Certa emoção quando se desce a Presidente Vargas, na subida do Viaduto dos Marinheiros, a Praça da Bandeira – sou capaz de lembrar quando certa vez caminhei com meu pai dali até o Maracanã, algo em torno de 1978.
Depois, o velho prédio da Casa Mattos na outra pista, hoje pichado e abandonado – então a lembrança é de meu grande amigo Floriano Romano, hoje um artista consagrado: caminhávamos por ali numa noite de muita chuva depois de Fluminense 4 x 0 Cruzeiro – Edinho fez gol de pênalti – Romano, rubro preto, foi comigo porque era um garoto feliz em ver um jogo de futebol, não necessariamente do time de seu coração. Dois garotos de doze anos indo a pé depois de meia noite do Maracanã até a Praça da Bandeira, sozinhos, já era razoavelmente perigoso, mas longe de hoje. De resto, tudo normal.
Quando o ônibus desce do viaduto e chega à avenida Maracanã, aquele mesmo sentimento de menino acontece. Revi os bancos de praça que foram retirados do entorno. Imaginários vendedores de laranjas e bandeiras. Gente humilde tentando vender qualquer objeto para poder comprar seu ingresso – os mais pobres, pedindo mesmo – muitas vezes fiz a inteira para gente até mais velha que, ao passar da roleta, me agradeceu com fé; eu me sentia bem por ter feito uma boa ação, a de ajudar um tricolor a ver seu time. Sempre compreendi isso porque muitas vezes contei moedas para poder também comprar o meu ingresso. Alguém pode ter me chamado de otário. Rio.
Na segunda passada, entretanto, o Maracanã era o gigante adormecido. As pessoas corriam e caminhavam. Garotas bonitas faziam alongamento. Senhores buscavam aprimorar a forma. O outono com baixas temperaturas tirava os atletas das ruas e o movimento é tímido. Algumas luzes acesas.
Caminhei pela Eurico Rabelo. Agora chamam as entradas de setores, C e D. O silêncio nem lembrava o dia de uma torcida feliz e cantarolando, nem traz os funcionários cracatoas de hoje, que interrompem a cada 30 segundos: – Bom dia, boa tarde, já conhece o Maracanã? – Alterne os pés em passos para subir a rampa. – É proibido soltar um pum aqui. – Continue subindo a rampa, aqui não é seu lugar.
O velho Maracanã calado, silencioso como se fosse um pensativo ator dos tempos que tem atravessado.
Virei à esquerda no decano Bar dos Esportes. Mais alguns metros, era hora de falar em rádio para tricolores feito eu. Compartilhar experiências, dramas, risos com os amigos, vida. O Fluminense de hoje é bem melhor do que o do mês passado: saiu da UTI e parece um decatleta. Ainda é muito cedo para se dizer que conquistará medalhas e louros, mas tem ido bem. Aconteceram várias coisas. O futebol é um caldeirão cheio de poção mágica: você mexe a colher dentro dela e nunca mais será a mesma – líquido caleidoscópico.
No próximo sábado tem jogo contra o Vitória. A torcida vai ocupar os espaços que lhe cabe. Cada um tem seus motivos e a maioria tem ao menos um motivo em comum. Eu também estou nessa, mas com uma pequena distinção: toda vez que passo pela roleta, além de reencontrar o Fluminense, meu objetivo é também reencontrar comigo mesmo. Com o que fui e ainda sou depois de tanto tempo.
Eu seria mais feliz se meu pai me puxasse pela mão ou se minha mãe me esperasse com uma deliciosa pizza da Bella Blu depois de voltar daquele jogo em que o Cristóvão acabou com o Manguito antes de fazer 3 x 0. Agora é diferente: o jovem craque é o senhor da beira do campo. Por acaso, estamos bem; no entanto, mesmo que não estivéssemos, o caminho seria o mesmo – procissão de onde quer que se esteja até as rampas e dali ao túnel, subir os degraus, buscar um bom assento e renascer.
É fato que certas felicidades jamais retornarão. Há coisas que mudam, mudam, mas continuam definitivas como sempre mereceram. A vida tem seus percalços e delícias.
O gigante silencioso diz tudo.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Amigo Paulo, lendo sua coluna de hoje, me vi em suas palavras. Fui um dos que deu e pediu intrra nas bilheterias, cheguei às 9:00hs, varias vezes para entrar pelo antigo portão 18, a fim de ajudar a colocar talco nos saqunhos para a festa tricolor da tarde. Confesso que suas lembranças, são também minhas lembranças. O que me leva às lágrimas, lágrimas de felicidade, por poder sentir tal emoção. A Marcia também citou as entradas pelos túneis até a visão da arquibancada e campo ao mesmo tempo.
Caro Paulo,
Pra quem viveu o Maraca, ele faz parte de nossa vida, como um amigo, dos melhores.
Sabe muitas das nossas piores tristezas e viveu quase todas nossas alegrias.
Que saudade do Maraca!!
É Paulo…sinto saudades daquele Maracanã que me viu boqueaberta, quando pequena, ao sair do túnel em direção às arquibancadas… ainda tenho essa imagem guardada em minha memória.
Lindo texto!