Passou tudo muito rápido. Coisas do tempo, que a tudo atravessa com velocidade avassaladora. E daí que deu trinta anos de Ézio nas Laranjeiras.
O Fluminense daqueles nove anos sem título entre 1986 e 1994 ainda será estudado e pesquisado à altura. Naquele tempo era massacrado porque vivíamos a maior seca de títulos em nossa era profissional, mas o fato é que o Flu não era um figurante dos campeonatos: brigava por títulos e os disputava até o fim, especialmente nos quatro anos da Era Ézio, nas temporadas de 1991 a 1994
Era um Flu de jogadores muitas vezes desconhecidos e aplicados, misturados a nomes de maior prestígio. Em duas ocasiões, liderado por Edinho à beira do gramado com a mesma garra do eterno zagueiro.
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Havia muita luta, mesmo quando as limitações eram evidentes. Na famigerada final da Copa do Brasil de 1992, garfada pelo árbitro José Aparecido, o Flu apanhou demais, num massacre de bola e pressão raras vezes visto. Encolhido nas cordas e tomando socos, até que muito perto do fim o pênalti picareta destruiu um sonho que só se concretizaria quinze anos depois.
Duas decisões seguidas contra o Vasco, cercadas por polêmicas. A primeira em 1993, em três jogos, marcada pela demissão de Ricardo Pinto e pelo terceiro jogo amarradíssimo, com os vascaínos descendo a bota e Daniel Pomeroy deixando correr. A segunda, em 1994, jogamos mal a última partida, isso depois de termos vencido o Flamengo e atropelado o Botafogo por 7 a 1, numa goleada histórica que quase ninguém viu num Maracanã de sexta-feira. Três anos antes, o Flu perdeu a final de 1991 jogando com nove homens em campo, e tomando a virada depois de marcar um golaço com Ėzio. E antes da chegada do herói, a gente já batia na trave: final da Taça Rio de 1988, semifinais do Brasileirão 1988, vitória na Taça Rio de 1990…
Quando Ézio chegou, não conseguiu derrubar o estranho momento tricolor sem títulos, mas sua capacidade como artilheiro ajudou em muito a resgatar o nome do clube. Nos momentos certos, a massa tricolor invadia o velho e inesquecível Maracanã. O Estádio das Laranjeiras era pressão pura. E se o Fluminense não era campeão, disputava os títulos.
Gols, gols, gols, muitos deles sobre o grande rival Flamengo. Gols de todos os jeitos, vários com raça, outros desajeitados, mas vários outros com classe e categoria. Ézio tinha uma colocação maravilhosa, era um cabeceador temível e finalizava bem. Causava temor, era respeitado. Não fez quase 120 gols à toa. Fora de campo certamente foi um dos mais humildes e simpáticos ídolos da história do clube. Todos os que viram jogos nas Laranjeiras ou no Maracanã puderam testemunhar isso de longe ou de muito perto.
Por muito pouco, o mais humano de todos os nossos artilheiros não encerrou sua carreira no clube sem conquistar um título – o torcedor daquela época não comemorava vitórias em turnos. Contudo, foi dos pés do nosso super herói que começou aquela que talvez seja a mais famosa de todas no Maracanã: a que resultou no histórico gol de barriga de Renato Gaúcho. A última foto de Ėzio em campo com a camisa do Fluminense mostra um artilheiro feliz, sorridente, à altura daquele título imortal.
O Fluminense de Ėzio é para mim um Fluminense de respeito e dignidade. Foi um tempo de muitos jogos nas Laranjeiras, onde nos sentíamos em casa. E eu era figura cativa no Maracanã, não somente pela paixão mas também por estar sempre ao lado, na UERJ. Tempos de nenhum dinheiro, muitas esperanças e sonhos. Queria conseguir um emprego, me formar, ver o Fluminense campeão de novo. Havia ainda os grandes clássicos no Maraca às cinco da tarde, a festa das torcidas, o nosso bandeirão, muita coisa. Assistir os jogos no último degrau da arquibancada, atrás da Young. Abrir o jornal e ver Belchior fazendo juras de amor ao Fluminense. Era demais!
Eu tinha vinte e poucos anos e talvez Ėzio tenha sido meu último ídolo na acepção da palavra. Você cresce e vai entendendo o mundo, vê os jogos de outra maneira. De lá para cá, é claro que os jovens tricolores tiveram seus ídolos, o que é justo e compreensível, mas me arrisco a dizer que nenhum deles teve o mesmo apreço e o respeito que Ézio sempre dedicou à torcida tricolor. Não há lacunas na carreira do super herói do Fluminense.
Trinta anos depois, o velho Flu pode até sonhar com o mais improvável de seus títulos. Quem sabe uma combinação inacreditável de resultados não acontece? É muito difícil, mas falamos de futebol e não de ciências exatas. Fred ainda está aí para aquecer os corações de muitos tricolores. O campeonato brasileiro parece querer o Fluminense em cima, fazendo tudo para que ele garanta a vaga para a Libertadores ou até mais do que isso. Talvez seja a aura de Ėzio: o Flu, que parecia tão vocacionado para a figuração de 2020, chega ao fim da trama como um surpreendente protagonista. Quem sabe?
Alguém pode estranhar que, até esta linha, eu não tenha mencionado o nome de nenhum dirigente dos tempos de Ézio. Explico: naquele tempo não havia o culto à personalidade dos cartolas tricolores. O que importava era jogador e treinador. Todo respeito aos dirigentes, mas eles sabiam que o lugar dos holofotes era para Ézio, Bobô, Torres, Válber e outros. E era melhor assim.
Anos felizes em que meu falecido irmão e eu acompanhávamos o carioca pela TV Bandeirantes em uma velha TV enorme e pesada no nosso quarto, na longínqua Campo Grande do Mato Grosso do Sul.
Tinha Super Ézio, Valdir Bigode, Tulio Maravilha, Gilmar Rinaldi, Carlos Germano, Sávio, Luís Antônio.
E tinha ele, Mário Tilico, se não me engano jogador do Atlético da cidade de Madrid que estava por aqui emprestado ao Fluminense e deu um show naquele 7×1 de arquibancadas vazias.
Saudades deste tempo.
Numa época de favoritismo de véspera para os rubronecas, Ézio sempre surpreendia e nos trazia a vitória. Na época eu, funcionário do correios, estava lotado no centro de distribuição de Campos, norte do estado, e junto com meia dúzia de tricolores, provocava os rubronegros no melhor estilo de Januário de Oliveira: Ezio é cruellll….. daí virou cruÉzio e depois Pelézio… eles espumavam de raiva, falavam que Pelézio não passava de um bonde, mas aí, vinha mais um fla-flu e nosso super herói triunfava de novo…. muita saudade desse tempo e desse ícone de nossa história, que nos deixou…
Tive a honra de conhecer o Super Ézio numa festa de exposição aqui em Itaperuna RJ. Ele é de uma cidade pequena, Ponte do Itabapoana ES, próxima daqui. Um amigo veio correndo e anunciou: o Super Ézio está ali! Fomos correndo falar com ele. Foi muito atencioso e simpático com todos nós. Só lamento não ter uma foto do momento. Não eram tempos de celulares, cliques ou máquinas digitais. Mas está gravado nas minhas lembranças! Grande Ézio!