Manja na gare (por Alva Benigno)

alva japonês tricolor

Edson Passos. Baixada Fluminense. Depois de tanto tempo, o fascismo e o reacionarismo foram postos de lado e lá foi o Macunaíma da Sauna para ver o Tricolor em Toda Terra.

Chiquinho trocou de motorista no Uber e chamou Clóvis, que o buscou em casa e fez um rápido trajeto com direito ao carrão preto descendo a Via Light, atualmente perigosa demais. Atravessou sem sustos. Coisa de uma hora em boa velocidade, saindo de um Rio meio frio e com ruas esvaziadas.

Em nenhum momento olhou para a paisagem. Não queria encarar a realidade dos fatos, nem a vida como ela é. No carro, rolava smooth jazz de eternas divas como Sade Adu. E a vista em busca de homoerotismo partia do banco de trás rumo ao pescoço tatuado de Clóvis. Ao mesmo tempo, Chiquinho não saía da rede social Twitter, bostejando sobre todos os assuntos possíveis de modo a ostentar a intelectualidade típica dos… leitores de orelhas e contracapas de livros.

Discreto e com o tom acaju do cabelo mais aliviado, teve que passar pelo povo tricolor na rua atrás do gol. Clóvis não curtia futebol mas foi convidado pela biba véia para assistir o jogo, aceitando prontamente. A dupla buscou os ingressos com Arlindo, o cambista oficial de Zanzi, também metido com ingressos de shows internacionais, de teatro e até de musicais da Broadway. E primo de Arcanjo Calabouço. O picareta garantiu-lhes ingressos de tribuna sem fila. O melhor do campismo em ação.

Chiquinho foi chamado de doutor pelo policial na revista leve. Quase pediu para ser mais analisado. Seu sorriso de canto de boca chegou a causar graça em Clóvis. Entraram e sentaram-se.

O Fluminense valente em campo, jogando bem, com garra, vencendo por 2 a 0 com facilidade e segurança. Tudo corre bem, mas o velho safadão quer mais e não se controla ao gritar “Eu quero meu Danilinho mandando em campo, please!”, para depois ajeitar a velha almofadinha com escudão que carrega há longos anos quando vai aos estádios. O pessoal por perto achou meio estranho, só comparável a um torcedor que caminhava pelos degraus parecendo o Frankenstein tricolor, em contrapartida à bela torcida presente na nova casa alugada do nosso amor.

No intervalo, espiou discretamente jovens frequentadores das arquibancadas, mandou mensagens quentes de whatsapp para as monas da sauna e até respondeu a um áudio da patroa Esmeralda: ” Queridonaa, vou demorarrrrrr. Besitos”. Clóvis alternava momentos de silêncio com pequenas risadinhas sarcásticas. Mas gostou de estar presente ao jogo, embora evitasse olhar para qualquer lugar onde houvesse um torcedor local ou mais humilde. Concentrava a vista em outras novas do clube ou nos molequinhos da politicagem, já pensando em safadeza, claro.

Com o segundo tempo tranquilo e a vitória do Fluminense assegurada, chegou até a pensar em sair antes do fim da partida. Desistiu. Ficou até o apito final. E achou Riascos um bofe ridículo por motivos óbvios e ululantes.

Na saída, teve um rompante absolutamente inesperado. Quando ia para o carro, na contramão do povaréu feliz, mudou a direção: “Clóvis, por favor leve minha almofadinha. Faça o seguinte: siga com o carro até a Central e me espere lá. Acerto a diferença pedindo outra corrida”. O motorista saradão atendeu e o pescoço gostoso foi embora. Chiquinho foi atrás do povo tricolor e resolveu passar por uma experiência inédita em sua vida: andar de trem. Claro, com segundas intenções.

Passou por um bar e deu ombrinho ao ver blogueiros tricolores comunistas bebendo cervejas, cercados por outros torcedores animados, anônimos e até candidatos a subcelebridades série E. Chegou a quase arrotar, mas seguiu em frente: sabia que se fizesse alguma das suas, entraria na porrada sem dó – e talvez isso nem lhe fosse assim tão mau. Mas preferiu a prudência.

Comprou o bilhete, sentiu o fartum acre de sabão ordinário das roupas dos populares tricolores na estação de trem, segurou para não vomitar, mas aguentou firme. Passou a roleta e olhou para todos os lados. E quase enlouqueceu quando viu, mesmo de longe, dois tricolores de bom porte em processo de micção privada e respeitosa em plena linha férrea: estavam apertadíssimos e não havia qualquer possibilidade de banheiro. Discretamente manjou na gare e foi um urologista da paixão distante. Imediatamente sonhou com “Outside”, o hino de seu herói George Michael.

O melhor estava por vir. Quando o trem chegou, a massa tricolor invadiu as entranhas de aço do transporte de massa. Misturado ao povo, cheirando a suor da vitória num vagão lotado, traiu seu ideário reaça e esperou por toques, esbarrões e até sarradas convenientes para seu stablishment homoerótico. Ali, sentiu-se uma secreta e realizada Madame Satã, sonhando com mil fantasias grupais enquanto todos estavam felizes com a atuação do Tricolor. Decorridos dez minutos da partida, deu um grito de “Neeeeeeenseeeee!” tão forte e másculo que a galera até aplaudiu. Era seu contraditório orgasmo solitário e enrustido. Teve quarenta minutos felizes misturado com quem tanto despreza.

Ao chegar na Central do Brasil, estava tão realizado que chegou a ensaiar uma caminhada rebolativa na gare. Mas segurou a onda e pagou de senhor respeitável. Quando deixou a estação, o carrão preto lhe aguardava. Em vez da porta esquerda de trás, deu a volta e abriu a direita da frente:

“Obrigado pelo serviço e gentileza, Clóvis. Permita-me retribuir. Faremos a corrida até Copacabana, via Alto da Boa Vista, ok?”

“Doutor Chiquinho, o senhor é que manda.”

“Uhuuuuuuuuuuu!”

Pensou no saudoso Cine Orly. E a velha Via Apia? O resto a gente fica sabendo mais tarde.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: AB/Caio Barbosa

IMG_20160717_230652

1 Comments

  1. Há muito, muito tempo tempo não leio uma crônica do mundo do futebol tão boa quanto esta.
    Alva, aí vai o meu follow.

Comments are closed.