Mãe é assim: pelo filho, faz qualquer coisa para deixá-lo feliz. Até mesmo, nem sendo tricolor e nem gostando de futebol, acompanhando-o para ver um empate com a Internacional de Limeira é uma derrota para o CSA, ambos os jogos no Maracanã deserto (a ausência da torcida não é de hoje, agora está apenas mais intensa).
Em certo tempo, a minha mãe dizia que era Flamengo, de farra: não acompanhava nada, não sabia de nada do futebol. Aos poucos, ela viu como eu gostava do Fluminense e, sem qualquer aviso prévio, tornou-se tricolor e passou a chamar o outro time de “urubu”. Fez isso pelo maior dos amores, o que só encontramos neste tipo de relação. Fez porque me deixaria contente. E deixou muito.
Ela dizia que adorava ver o gramado na televisão porque era muito bonito – e é mesmo, exceto para os tecnocratas pernósticos. Gostava de ver os pré-jogos basicamente por causa disso. E ria. E era feliz, mesmo depois de toda uma vida de dificuldades que daria um livro. Ficamos a fitar os gramados juntos por uns vinte anos.
Trocamos um abraço feliz em 2005 com o título carioca. Ela se assustou quando telefonei de São Paulo dizendo que ia para Jundiaí ver a final – eu tinha saído de bermuda e chinelos. Sua última grande luta foi contra o rebaixamento em 2006, um tempo que pouca gente se lembra mas que foi definitivo para mim: foi nele que comecei minhas crônicas tricolores.
Pouco tempo depois ela foi embora, dormindo, sem adeus. Eu a acordei de madrugada e a abracei pela última vez. Embora inevitável, foi a minha maior derrota, a que carrego todos os dias desde então e que na verdade soa como condenação. Nunca mais fui a mesma pessoa e tenho certeza absoluta de que jamais voltarei a ser.
Por causa da minha mãe, e pela perda do resto da família, minha carreira de escritor, represada desde os anos 1990, acabou vindo à tona. Eu sempre escrevi sobre muitas coisas, mas o Fluminense sempre foi uma parte importante disso e, por causa dele, finalmente me tornei publicado por uma editora. Desde então, tenho colecionado muitos amigos, o ódio gratuito de meia dúzia de infelizes, mais vinte títulos literários (treze deles, do Flu), uma penca de elogios, participei de programas de rádio e TV, fiz um blog e tenho sofrido muito com a tristeza do mundo. Mas boa parte do que se lê da minha pena eletrônica é pura e simplesmente para homenagear minha família e hoje, especialmente, minha mãe.
A mesma mulher que me carregou no colo correndo, arriscando sua própria vida quando eu tinha oito dias de vida, fugindo da opressão da ditadura, foi a mesma que costurou uma bela bandeira, que eu levei para a geral num Fluminense x Portuguesa da Ilha no Maracanã. Perdemos por dois a um, rolou trapaça, eu era o único garoto da geral e trazia comigo a única bandeira tricolor por lá, em vez de teclados de Facebook. Lá se foram trinta e seis anos.
Onde quer que esteja, que a Bolinha Mãe receba os mesmos beijos que nunca terminaram, mesmo que hoje eles sejam cheios de lágrimas que nunca vão terminar. Que a utopia prevaleça: todas as mães do mundo precisam ser felizes – e, se isso não acontece hoje, é porque está tudo definitivamente errado.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
#JuntosPeloFlu
Imagem: rap
Belo e emocionante texto! Um grande e afetuoso abraço a todas as mães do mundo, em especial as tricolores. Saudações tricolores!