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Nem tudo é exatamente como a gente pensa ou até vê.
É o caso da foto abaixo, que tirei no começo da tarde de ontem.
O céu em cores vivas, brilhante, límpido, daqueles que as pessoas sonham para um domingo de verão.
Bonito, não?
Só que não era bem este o caso.
Eu estava a cerca de 60 quilômetros de casa, no Cemitério de Campo Grande, quando fotografei o céu na hora em que o caixão da irmã do Leo Prazeres, nosso hermano e fundador deste PANORAMA, desceu à cova.
Foi a maneira que encontrei na hora para fazer uma justa homenagem.
Dezenas de tricolores estiveram presentes com suas camisas, oficiais ou paralelas, caras ou humildes – isso não tem a menor importância. Quem olhava de longe, sabia: ali estava um pedaço do Fluminense, que não tem preço nem nunca terá. Era o futebol servindo de bálsamo aos corações dilacerados e réquiem para quem se foi muito antes do justo e razoável.
Antes de chegarmos ao enterro, durante a viagem de trem, eu, Tiba e Josi conversávamos no trem enquanto uma multidão de gente fazia de tudo para sobreviver vendendo qualquer coisa, dentro e fora dos vagões. Ou em algumas estações específicas, onde o tráfico de drogas andava tranquilamente cuidando de seu negócio enquanto a intervenção militar destrói quiosques em favelas…
Conversávamos para nos distrair. Era um dia triste, quando os silêncios se sobrepõem às palavras.
A cena dos parentes e amigos com suas camisas tricolores foi extremamente comovente, mas não a fotografei. Achei que soaria a casuísmo barato. Guardei-a para minha lembrança, onde ficará enquanto eu existir.
Tenho convivido com Leo há treze anos em ritmo intenso e, se contasse aqui o que já fizéssemos juntos, daria um livro e dos bons: viajamos, bebemos, comemos, rimos, choramos, vimos o Fluminense em incontáveis jogos e histórias. Uma das melhores coisas que fiz na vida foi dizer a ele “larga essa coisa de Direito, faça o que você gosta”. Deu certo. Eu gostaria que tivessem me dito a mesma coisa um dia, mas não deu.
Dolorosa, a vida segue.
Carregamos nossas cicatrizes, tristezas, mas o céu ainda está vivo demais, mesmo que nada saibamos ao certo sobre o que tem depois dele.
O Fluminense está em todos os lugares.
Na volta, eu não conseguia parar de pensar nas lágrimas da sobrinha do Leo. Aliás, não consegui até agora. Nenhuma criança ou adolescente deveria passar por este sofrimento, o de enterrar os pais.
Novamente conversando com Tiba e Josi, pensando, pensando nas tristezas, na injustiça, no sentido da vida, no tempo em que se perde com discussões inúteis, ódios, vaidades, quando basta um suspiro e a grande peça de teatro da vida termina subitamente, com as cortinas cerradas num segundo. Pensei nisso durante boa parte do tempo no cemítério.
Quando ódio não vemos por aí em todas as searas? A violência, a estupidez, o orgulho da própria ignorância, a empáfia. Qual o sentido de tudo isso? Nenhum.
Meus amigos e amigas, tudo isso é absolutamente inútil: tudo morre. Exceto o Fluminense, tudo vai passar.
Não se deve perder tempo com coisas e gentes ruins.
A vida é breve demais para isso.
O apreço aos de bom coração e o desprezo aos que prezam o mal. Quem é ruim morre sozinho. Os bons se despedem entre um mar de abraços.
Numa hora tão difícil como a de ontem, a turma se juntou e vestiu o manto num lindo gesto. O Leo estava com a bela camisa grená. Estavam todos despedaçados por dentro, mas vestidos com o mais belo traje de gala que existe. O Fluminense é muito mais do que um time, uma torcida. O Fluminense é um abraço.
Apesar de tudo, apesar da dor, deve haver sentido na linha do céu de Campo Grande.
Ao meu irmão Leo Prazeres, que ajudou a construir esta casa, o meu maior apreço e força.
O mesmo vale para todos os parentes e amigos que lá estavam ontem, e que me emocionaram com suas camisas onde, no fim, estava escrita a palavra “amor” em forma do velho escudo infalível.
Sintam-se em casa.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
#JuntosPeloFlu
Imagem: rap