Lembranças de arquibancada – I (por Paulo-Roberto Andel)

gol-de-djair-fluminense-america-15-05-1995

Foi um dia diferente. Por mais que eu conhecesse bem vários estádios do Rio de Janeiro, era a primeira vez que voltava a Caio Martins desde o fim dos anos 1970 se não me engano. A responsabilidade também havia mudado de figura; antes, meu pai é que me puxava pela mão para tais ocasiões. Agora, eu era o “responsável” pelo Luizinho e pelo Gota, que iriam comigo para ver a partida entre Fluminense e America, na estreia do segundo turno do octogonal que decidiria o campeonato carioca de 1995. Eu tinha 26 anos, eles tinham perto de 17.

Depois do almoço e da bela pequena viagem, em certo momento nos deparamos com o Campo de São Bento, uma das referências de beleza de Niterói, a cem metros da entrada do estádio de Caio Martins. Compramos nossos ingressos e entramos com toda a tranquilidade. Luizinho e Gota estavam naturalmente ansiosos: o Fluminense vinha de nove anos sem conquistas, embora tivesse batido na trave várias vezes e sido garfado em outras. A referência de conquistas deles estava na infância, com o carrasco Assis e sua turma. Um pouco mais velho, pude ver aquilo tudo de 1983 e anos vizinhos já com o olhar instigado da adolescência.

Quando entrei em Caio Martins, senti uma emoção especial. Era como se pudesse voltar num tempo já distante e ter meu pai ao lado, com seu radinho, quando íamos para todos os jogos e viver o Fluminense era só o amor ao time, ao campo, sem medir importâncias. Era estar e gostar.

Olhando para trás, é fácil cravar: nenhum de nós tinha a menor ideia de como ia terminar aquele campeonato. Queríamos muito ver o Fluminense campeão, mas sabíamos da luta necessária não somente na tabela, mas também nos bastidores e contra as manchetes. Foi uma partida duríssima, porque o time do America batia até dizer chega, mas Djair, com sua elegância, fez um golaço e decidiu o jogo para o Fluminense.

Saímos confiantes do estádio e caminhamos em comemoração até a praia de Icaraí. Lá, tomamos um ônibus para o Rio de Janeiro. Na volta, só falávamos sobre o que podia dar certo, e se tínhamos chance de ganhar aquele campeonato. E ríamos: depois de seis vitórias consecutivas, o Flu parecia ter dado liga de vez. Renato era um monstro, o time tinha uma garra impressionante, a defesa era firme, Wellerson pegava tudo e a torcida, unida de verdade, empurrava nossa moral para cima. Quarenta dias depois, vencemos o maior Fla-Flu da história com um gol inesquecível. Naquele domingo em Niterói, éramos esperança e felicidade. Djair jogava demais. Luizinho e Gota eram dois jovens muito felizes naquele início de noite de domingo.

O JOGO

Antes da bola rolar, os americanos ficaram bastante enfezados com declarações vindas das Laranjeiras sobre a habitual violência em campo do time rubro. Foi o suficiente para alimentar um jogo difícil, disputado e com a torcida tricolor ocupando cada centímetro do estádio de Caio Martins, em Niterói.

As declarações foram justificadas em campo: o America, irritado, bateu como nunca e com a anuência do árbitro Márcio Pereira do Nascimento, que sequer marcava as infrações e deixava o jogo correr – menos para os jogadores do Fluminense, invariavelmente caídos no chão depois das faltas não marcadas. Além disso, o time rubro estava recuado e fechadíssimo, o que dificultava qualquer ação ofensiva mais importante do Fluminense – panorama que se manteve pela primeira meia hora da partida. Ainda assim, o jogo seria marcado por várias finalizações tricolores, a ponto do goleiro americano Alexandre Gomes ter sido escolhido o melhor jogador americano na partida.

Então, como um coletivo não prevalecia sobre outro, foi a vez dos craques chamarem a responsabilidade para si. Djair tabelou com Renato, driblou Carlinhos na frente da área e acertou o ângulo esquerdo de Alexandre, que ficou completamente estático no melhor estilo Fillol 1984. A massa tricolor explodiu nas arquibancadas e o time desceu para o vestiário com relativa tranqüilidade (palavra que sempre deve ser utilizada com cuidado, em se tratando do Fluminense em 1995).

No segundo tempo, as coisas mudaram. Comandado pelo eterno ídolo e treinador Luizinho Lemos, emérito finalizador e dos melhores atacantes do futebol carioca nos anos 1970, o America deu de ombros para a retranca e partiu com fúria para o ataque, deixando os contragolpes para o Fluminense. Mas aí quem surgiu como uma verdadeira “Muralha do Nordeste” foi Lima, com atuação impecável nas bolas rasteiras e pelo alto, igualando-se em importância a Renato e Djair (que só faltou fazer chover) entre os melhores do Fluminense em campo. Nas investidas, Ézio e Anderson quase marcaram; Ézio, mesmo sem marcar, lutou demais.

Mais tarde, o problema foi físico: time tricolor sentiu o desgaste pela correria e pela rispidez da disputa contra os valentes rubros. Acabou abrindo mais espaços do que deveria para o America, mas isso não impediu a vitória pelo escore mínimo – a sexta seguida na competição e que, mesmo com a miopia da imprensa esportiva, credenciava definitivamente o Fluminense a brigar pelo tão sonhado título do centenário.

O início de semana ainda seria alimentado por uma doce ilusão jornalística: rumores davam conta de que o Fluminense repatriaria o ídolo da zaga Ricardo (Gomes) para reforçar o time, com o apoio de um patrocinador. Nada além de uma ilusão – mesmo que maravilhosa.

AMERICA 0 x 1 FLUMINENSE

Data: 14/05/1995
Local: Caio Martins (Niterói);
Juiz: Márcio Pereira do Nascimento;
Renda: R$ 76.409,00
Público: 8.035;
Gol: Djair 32 do 1°
Cartão amarelo: Antônio Carlos, Valtinho, Renato e Lima

AMERICA: Alexandre, Róbson, Antônio Carlos, Gílcinei e Vanderlan; Valtinho, Carlinhos, Rogério e Zinho (Vivinho); André Luís e Gilson (Álvaro). Técnico: Luisinho Lemos

FLUMINENSE: Wellerson, Ronald, Lima, Márcio Costa e Lira; Cadu, Djair, Aílton e Anderson (Luís Antônio); Renato e Ézio. Técnico: Joel Santana

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: js

1 Comments

  1. Muito bom o texto!
    Melhor ainda o vídeo.
    Hehehehe
    Saudações Tricolores

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