Eu era garoto mas já era muito Fluminense do meu jeito. Já tinha botão, bola e torcia pro meu pai me levar ao Maracanã, mas naquele tempo a coisa estava bem difícil, difícil mesmo: uma tempestade financeira nos levou à lona, a ponto de morarmos numa casa cinco vezes menor do que a anterior, sem fogão e geladeira. E isso aconteceu justamente quando meu pai teve a chance de ver um dos melhores times da história do Fluminense, a Máquina em 1976. Acho que foi uma das maiores injustiças que ele sofreu, ficando psicologicamente sem condições de vivenciar o melhor do Flu por conta das tristezas pessoais.
Eu me lembro daqueles dias. Nós não fomos ao jogo. Naquele tempo morávamos em Vaz Lobo e mal tínhamos dinheiro para comer. Agora, lembro bem do movimento das ruas. Meu pai tinha sua loja bem no centro de São João de Meriti e eu ia pra lá quase todo dia.
Por um tempo, fomos visitados por um vendedor que era chamado de O Paulista, muito querido pelos vizinhos comerciais. Ele me mostrou pela primeira vez o escudo do Corinthians, num chaveiro. Eu tinha oito anos, pra mim só existia Vasco de rival, o America também, estava descobrindo as coisas. E lembro também que havia corintianos com camisa em Meriti, assim como descobri numa lanchonete que havia uma máquina de refrigerante – vendia Pepsi, fiquei louco.
Bom, deu no que deu. Um dos maiores confrontos da história do futebol brasileiro foi disputado debaixo de uma tempestade, e o favoritismo pleno do Flu escorreu pelos pênaltis. É difícil explicar aos mais novos o que realmente significou a Máquina para a história do nosso futebol. Só estudando. Não deem atenção para ignorantes falando “esse time não ganhou quase nada”, porque o que precisamos é justamente combater a ignorância, a desinformação e as fake news.
Meu pai não me falou nada sobre a eliminação. Ele já falava pouco, mas não tocava nas derrotas. Claro que era um cuidado comigo, para não me desmotivar, mas isso só fui entender bem mais tarde. E o tempo trouxe muitos outros jogos contra o Corinthians, time que está marcado na nossa história por momentos marcantes e rivalidade. O Flu tem influência direta no nome de batismo do Corinthians, por exemplo. E Rivellino é página eterna dos dois times.
Foram muitas partidas. Em 1984 nós demos o troco com uma vitória apoteótica no Morumbi e, diferentemente deles, ganhamos o título. Em 2009 eles nos tiraram da Copa do Brasil, demos o troco em 2010 ganhando o Brasileiro no ano do centenário alvinegro. Muito antes, o Flu foi campeão mundial de 1952 num empate em 2 a 2 com o Corinthians.
Lembro de uma vitória pelo Brasileiro de 1983. Leão goleirão estreava pelo Corinthians. Vencemos por 1 a 0, gol de Cândido, lateral-esquerdo, que logo deu vez a um rapaz chamado Branco. Vinte anos depois, teve o jogo publicado pelo PANORAMA hoje, que Romário decidiu e nos ajudou muito contra o rebaixamento.
Agora, o mais exótico de todos foi em 1982, já contei várias vezes. O Flu vinha numa draga e encarou o Corinthians num sábado à noite pelo Torneio dos Campeões, competição criada para manter os clubes em atividade na época da Copa do Mundo, praticamente um Brasileirão. Teve protesto na geral com caixão e tudo, só podia ser coisa do Gonzalez. Eu saí correndo por medo e fiquei rodando a geral do lado contrário a eles. Até o Doutor Horta foi. Só o Fluminense pra ter um protesto tão chique com direito ao eterno presidente presente.
Todo mundo só pensa na Libertadores, mas hoje tem Fluminense e Corinthians no Maracanã. Alguma história terá, é da natureza do jogo. Talvez algum garoto tricolor conheça o escudinho do Corinthians, assim como eu conheci há quase 50 anos. Talvez outro Cândido faça um gol eterno. Máquina, nunca mais, mas poderemos ser felizes demais daqui a 16 dias. Eu sinto uma tristeza feito aquela do meu pai, mas o desfecho de 2023 será diferente de 1976. O sol nascerá.
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Sergio Cosme foi zagueiro campeão pelo Fluminense. Treinou o clube três vezes, foi vice-campeão da Copa do Brasil em 1992 e nos levou a uma das maiores vitórias sobre o Vasco na história, em 1989. Hoje ele precisa da sua força. Colabore pelo Pix CPF 07205091730 (Sérgio Leandro, filho dele). Para qualquer dúvida, WhatsApp (21) 96451-0967. Sua participação é muito importante.