Jogar feio e vencer ou jogar bonito e perder (por Marcelo Savioli)

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Amigos, amigas, o Fluminense se tornou, quase que por opção própria, o centro desse velho e surrado dilema. Sendo que não há na opção A ou B o propósito de jogar bonito ou feio, mas o de vencer jogos. O bonito ou feio é consequência das escolhas, que passam pelo modelo de jogo, pelo esquema tático e pela escolha das peças.

Esse dilema surgiu após as duas Copas perdidas sob o comando de Telê Santana e se confundiu com a oposição entre jogar com foco no ataque ou na defesa. A partir da mudança de paradigmas, com troca do foco no ofensivo para o defensivo, o Brasil conquistou duas Copas, uma jogando com dois volantes e na outra atuando com três zagueiros e dois volantes.

Tudo isso fez com que se intensificasse a proposta alicerçada em sistemas defensivos rígidos, ligações diretas e muita correria. Nem por isso, deixamos de ganhar uma Copa do Mundo com os três zagueiros e dois volantes, praticando um futebol que não tinha uma plasticidade empolgante, mas que se auto-compensava com a presença de dois laterais extraordinários (Roberto Carlos e Cafú) e um trio ofensivo que tinha Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno.

Muita coisa aconteceu desde então, passando pela revolução do futebol alemão, que acabou contagiando o futebol europeu, e o tic taca do Barcelona de Guardiola. Enquanto isso, o futebol de resultados brasileiros nos legou campanhas apenas razoáveis desde 2010, quando esse modelo já estava consolidado, com exceção para o ultrajante futebol apresentado em 2014, em plena Copa do Brasil, que nos legou o vergonhoso 7 a 1 e outras peripécias.

É dessa história que emerge o Fluminense de 2022, que resolveu, em um único elenco, encarnar essa estranha dicotomia. Um Time B que joga um futebol mais vistoso e um Time A que joga um futebol menos vistoso. Um time B que vence tudo que vê pela frente, encantando a plateia, e um time A que, apesar de não ser encantador, também vence todas as suas partidas.

Deveríamos, portanto, mudar esse raciocínio, trocando jogar bonito e jogar feio por jogar bem ou mal. Jogar bem não é necessariamente jogar bonito, assim como jogar feio não significa jogar mal, dependendo, claro, das circunstâncias. O que devemos analisar, outrossim, é a eficiência de cada um dos modelos. E não é preciso ir longe para concluir que o time que joga bonito e bem é superior ao time que joga razoavelmente e sem muita plasticidade, embora ambos venham obtendo vitórias.

O Time A joga, atualmente, no 3-4-3 ou no 4-3-3, enquanto o Time B joga no 4-4-2, embora já tenha atuado no 4-5-1. O Time A faz sua construção de jogo a partir da zaga, que tem qualificação para isso, mas praticamente inutiliza os dois únicos meias, e atacamos quase sempre com bolas longas e criando poucas oportunidades. Enquanto isso, o Time B constrói jogo a partir do meio de campo, joga com aproximação, posse de bola, controle de jogo e muita movimentação na frente, criando e fazendo mais gols, além de encantar a plateia.

Não há nada que nos mostre que o Time A seja mais eficiente defensivamente. Ao contrário, é o Time B que não sofre gols. É só olhar o retrospecto. E por que isso? Porque se compactua no meio, marca adiantado e caça a bola o tempo todo, não dando chances ao adversário de respirar. Em alguns momentos, o time recua para sua intermediária e provoca erros do adversário para sair em contragolpes rápidos. Em alguns casos, até o atrai, como no segundo gol diante do Resende, quando trouxemos a marcação deles para o nosso campo e fizemos a bola rolar de pé em pé, até que Ganso tivesse a possibilidade de meter uma bola espetacular para Árias, pegando a defesa adversária toda aberta.

O Time A também faz isso, mas a bola está sempre nos pés dos zagueiros, obrigando a que os passes quase sempre sejam longos. E, curiosamente, o mesmo Time A, na partida de volta contra o Millonarios, marcou os dois gols construindo o jogo com passes curtos até o bote final.

Parece que estamos falando de evidências, inclusive quando percebemos que as vitórias do Time A são facilitadas quando entram em campo jogadores oriundos do Time B, o que não quer dizer nada além do fato de que as escolhas individuais também são um dilema a ser solucionado, até porque essas trocas nem sempre significam mudanças no esquema.

Vamos para o enfrentamento contra o Olímpia arrastando esse dilema, que me parece longe de ser resolvido. Ter um Time B como o que temos e levar a campo, em casa, um time como o A é, no meu entendimento, colocar em risco uma classificação muito provável. O que me leva a pensar na solução mais óbvia. E qual seria?

Ora, se você tem dois times que jogam futebol com conceitos muito diferentes e um deles vem sendo muito superior, a escolha óbvia me parece ser optar pelo time que vem sendo superior, embora não seja tão simples assim. Sabemos que há jogadores no Time A que não podem ficar de fora de quase time nenhum do Brasil. Nino, David Brás e André são, para mim, os exemplos clássicos. Mas Calegari e Luís Henrique podem entrar nessa lista.

Se é assim, parece a mim o melhor caminho tomar o time B como layout de um time titular poderoso e ali inserir peças que possam melhorar ainda mais seu desempenho. Parece-me ser essa a decisão lógica.

É claro que temos dilemas. Se atuamos num 4-4-2, ou joga Árias ou Luís Henrique. André ou Felipe Melo? Yago ou Nonato? Um 4-4-2 com Ganso ou deixá-lo de fora para ter Árias, Cano e Luís Henrique no ataque? O que nos leva a uma conclusão curiosa, que é a de que Martinelli seria o único intocável, fosse no 4-4-2 ou no 4-3-3.

Vocês podem criar quantos dilemas quiserem. O importante é que esse deve ser o desafio a ser encarado, e não ficarmos aqui alimentando essa oposição entre feio e bonito, Time A e Time B. Temos que achar o melhor time, adotar o melhor modelo e estruturarmos as variações táticas, que nos permitam jamais sermos óbvios.

Acho que Abel será conservador, acreditando que está apostando na segurança. Eu não concordo com isso. Acho que está esticando a corda, embora saiba que não corre o risco de se enforcar, mas o Fluminense, sim, corre riscos desnecessários, quando abre mão de um rolo compressor para fazer guerra de trincheira.

Tomara que dê certo, porque daqui a pouco estarei no nosso salão de festas, independente do que Abel venha a nos propor.

Saudações Tricolores!