Jô Soares e os pontas tricolores (por Claudia Barros)

“Bota ponta, Telê!”.

Foi assim que José Eugênio Soares, ou o amado Jô Soares, fez sua mais conhecida homenagem ao futebol.

Brincando com aquela que foi uma das seleções brasileiras de futebol mais talentosas que o país já viu jogar, na década de 80, Jô Soares, por meio do popular personagem Zé da Galera, suplicava ao então técnico da seleção, Telê Santana, que convocasse pontas de ofício para a Copa do Mundo de 1982.

Eu não sabia direito o que era um ponta ou um ponteiro, mas lembro que a súplica de Zé da Galera tinha ressonância na sociedade brasileira da época.

O personagem era um grande sucesso porque falava com Telê por meio do bom e velho orelhão, representava o cidadão médio brasileiro, era coloquial e espontâneo e colocava o futebol na resenha cotidiana das pessoas. Era um super quadro do programa humorístico que Jô fazia na televisão, naquele período.

A posição de ponta, conheci depois, já na juventude. Para mim, aliás, uma das mais bonitas do futebol.

Mesmo o futebol moderno, que valoriza força física, condicionamento ditado pela tecnologia, treinamentos especializados e muita ciência, não suplantou o talento. E para ser ponta, qualidades como habilidade, visão periférica, rapidez, precisão no passe, capacidade de defesa e ataque, boa finalização, talento e espírito ofensivo, são fundamentais.

A Seleção Brasileira de 1982 não levou pontas, como queria o Zé da Galera. Jogou um futebol impecável em vários setores do campo, mas a ponta direita ficou desabitada. Não sei se foi isso que nos tirou tão dolorosamente daquela Copa, mas que faltou ponta, faltou!

O Fluminense, time do coração de Jô Soares, teve pontas irrepreensíveis na sua larga história.

Assim foi Lula, que ficou no Flu de 1965 a 1974. Considerado um dos melhores pontas do Brasil nos anos 60 e 70, Lula, pernambucano de sangue quente, conquistou uma infinidade de títulos pelo Fluminense, entre eles vários campeonatos cariocas e o Brasileiro de 1970.

Assim foi Gil, o grande Búfalo Gil. Com passagem no Fluminense entre 1973 e 1976, o craque fez história no clube e na memória do torcedor. Aliás, quando criança, eu era doida para conhecer Búfalo Gil. Eu sempre pensava que encontraria uma fortaleza, um búfalo bufante na minha frente.

Assim foi o excepcional Paulo Cezar Caju, que integrou a “Máquina Tricolor” e desfilou talento e maestria em campo. Quem o viu jogar, relata que assistia não a partidas de futebol, mas a verdadeiros shows.

Assim foi também o próprio Telê Santana, que conduziu a esperança tricolor de vitória nos 557 jogos que fez pelo Flu, entre 1951 e 1960. Um ícone da nossa história.

Assim foi Jô Soares. Inteligência, sagacidade, visão, maestria, habilidade, rapidez de pensamento, boa finalização, humor, posicionamento, brilhantismo, artilheiro das artes.

Jô foi um dos maiores jogadores que vi jogar na cultura brasileira. Um ponta raiz. Ambidestro, jogava em qualquer posição, com qualquer lado do corpo, com a mesma qualidade.

Jô vai embora para aquela dimensão que eu acho que também estão meus pais. Se assim for, Telê também estará por lá. E, quem sabe, finalmente, o técnico tricolor escale o ponta que acaba de chegar.

Bota ponta, Telê! O craque chegou por ai!

2 Comments

  1. Maravilhosa e empolgante essa sua reflexão e o paralelismo que traças sobre Jô, o Zé da galera, os jogos da seleção e o Fluminense. Você também é uma Ponta e usa a palavra com maestria e poesia!

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