Algum garoto que chorou copiosamente naquele 16 de julho de 1950 está em algum lugar dessa cidade ou país – Helio, meu querido e saudoso pai, tinha nove anos de idade e jamais conversou comigo sobre o assunto. Pode ser um avô com uma família feliz, realizado por ter ainda coisas a fazer, ou um senhor sofrido que viveu o bem e o mal. Pode ser qualquer um. Quantos garotos não choraram dentro do Maracanã e perto dos rádios naquele dia da final da Copa do Mundo?
O Brasil era um outro Brasil. Depois de idas e vindas, Getúlio Vargas tinha voltado ao poder pela via eleitoral, não teria vida fácil e muitas águas ainda iriam rolar pelos caminhos. Oito anos depois da inesquecível derrota no Maracanã, Vargas morto, Juscelino vivo, o Brasil ganhava de vez o mundo do futebol com um timaço inesquecível, primeira das cinco conquistas que fizeram daqui o país maior do esporte mais apaixonante do mundo. Parecia que ia dar certo de vez: deixávamos tempo de certa doçura para a rijeza da industrialização. Os carros, as estradas, Brasília, a Bossa Nova, o Cinema Novo, o Concretismo, o TBC. Lá veio outro Brasil descendo a ladeira para gingar no asfalto. No Chile, a certeza de que o mundo era nosso.
Vieram a ditadura, o autoritarismo, a mentalidade medieval, o individualismo pleno, mas nada disso serviu de obstáculo ao supertime de 1970, vencedor definitivo da Taça Jules Rimet com toda justiça. Depois, um longo hiato, tanto para a terra brasilis quanto para a camisa amarela.
A redenção de 1994 em campo tirou o peso das costas de 24 anos sem conquistas. Romário foi o rei. Aos poucos, o país deixava a infância de sua democracia para trás, depois dos anos de chumbo. Perdemos 1998, ganhamos 2002, o pentacampeonato tornou-se uma realidade, o Brasil começou sua longa travessia, com erros e acertos, até os dias atuais.
Os estádios da Copa do Mundo não terão o público bastante popular de 1950, que ficará de olho vivo nas telas dos novos televisores de última geração. As ruas apinhadas de gente, cada um com seus celulares e câmeras, muitas imagens e vídeos, ângulos, cores. Agora somos outros. Há 64 anos, éramos dúvida, principalmente depois da trágica final; hoje, somos uma realidade irrefutável. Um Brasil de problemas, sonhos, angústias, crenças, com muito a ser feito e com obras em progresso. O Brasil do campo é eterno favorito a tudo o que venha disputar, mesmo quando acontece uma entressafra de craques.
Agora somos outros.
Este tem sido um país de dores e problemas, não somente. A corrupção da sociedade – principalmente ela – por vezes entorpece o jogo político, financiada por interesses elitistas sempre atentos à necessidade de servilismo. Poderosos grupos detêm os meios de comunicação e quase impõem uma verdade virtual que não se vê no mundo físico. Mas também é um país de muita gente solidária, trabalhadora, humilde e capaz de dividir o único pedaço de pão que tem em casa. Há muitos Brasis dentro de um só.
Hoje, todos eles de alguma forma dão as mãos ou, ao menos, sentam-se de forma urbana lado a lado numa arquibancada imaginária. É que por um mês seremos os anfitriões do mundo. Todos os corações baterão olhando para as nossas ruas, as nossas cores e os nossos campos. Também teremos justas e merecidas manifestações populares reivindicando melhorias, o que não deve ser confundido com oportunismos partidários visando as eleições nacionais de outubro que vem.
Foi o futebol que lançou o Brasil aos olhos da Terra em 1958; agora, tantos anos depois, tanto esforço de tanta gente que já se foi – tamanha injustiça não termos agora um Nelson Rodrigues e um João Saldanha escrevendo nos jornais -, e somos novamente os donos da bola. Não que isto significa ganhar a Copa do Mundo, longe disso, mas a sensação de estar em casa é muito especial.
Noutra crônica, falei a respeito do meu encantamento em pisar no papel picado em Copacabana durante o intervalo de Brasil x Argentina pela Copa de 1978, quando era criança. Logo mais, neste enorme continente, muitos outros garotos vão cantar, sonhar, dançar, se divertir e prestar atenção a esse negócio inexplicavelmente mágico que é ver um jogo de futebol.
Hoje começa a Copa do Mundo do Brasil. A outra.
Em memória daqueles que choraram – e depois riram – no distante passado, em vitalidade dos que, logo mais, vão gritar a plenos pulmões pelo Brasil ou Brasis.
Bom demais este sentimento, mesmo que efêmero, de estarmos uns mais próximos dos outros de alguma forma. Este é o mundo: resta-nos viver.
Oxalá o Carnaval aconteça a partir de Itaquera, não por mera coincidência uma das regiões mais humildes de São Paulo, a maior cidade brasileira. Desta vez, a desejada trajetória São Paulo-Rio de Janeiro não é certa e, caso aconteça, vai demorar um mês; entretanto, dado o motivo, nunca os cariocas e os paulistanos estiveram tão sintonizados entre si.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Andel, bom dia! Acho que esse caso recente do Criciuma merece uma crônica! Cadê os baluartes da moralidade para bradar pela “ética” no esporte! ST
Glaucio, ela foi publicada aqui no PANORAMA ontem.