Aos 40 minutos, Ézio tentou um passe de cabeça na frente da área, mas Branco deu um chutão típico daqueles que um time prestes a ser campeão dá. Parecia gol nas arquibancadas à esquerda das cabines de rádio e talvez em boa parte do Brasil.
O presidente Kleber Leite, presente ao estádio e portando um telefone celular “tijolão” (naquela época, os aparelhos móveis mal tinham chegado ao Brasil), começou a articular a festa da vitória centenária, a ser realizada na boate El Turf, no Jockey Club da Gávea. A El Turf era a grande novidade noturna do Rio e tinha como um de seus donos o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, um rubro-negro. Favas contadas? Bom, o Fluminense tinha João de Deus no canto, um super-herói em campo e cinco minutos para tentar algo tido como impossível.
O futebol dá a volta no mundo em um minuto. E para o Fluminense, o impossível não existe.
Cadu veio buscar uma bola perdida na lateral esquerda após o chutão de Branco, sem nenhuma marcação, já que o time do Flamengo esperava em seu campo o fim do jogo. Virou no meio para Márcio Costa e este, com velocidade, lançou na intermediária adversária para Super-Ézio. O destino não haveria de falhar: o grande herói matou a bola na coxa e, de costas para o gol, abriu o jogo na ponta para Ronald, o velho Ronald que tinha começado o jogo tão timidamente e depois até tentou fazer gols. A jogada típica do lateral direito seria alçar a bola na área ou tentar a linha de fundo, mas ele não fez nenhuma das duas coisas: viu Aílton mais aberto na direita e deu um passe preciso. O meia partiu com tudo para cima de Charles Guerreiro e deu-lhe dois cortes sinistros: o primeiro com o pé direito, o segundo com o esquerdo e, meio sem ângulo, chutou violentamente para o gol, buscando a direita do goleiro Roger. Olé!
A bola foi fortíssima, rápida, mas não completamente precisa; caso seguisse a linearidade, talvez passasse a centímetros da trave direita. Um chutaço que, sozinho, não seria suficiente para fazer o gol. Mas não foi o que aconteceu: numa fração de segundo, Renato, que estava na trajetória da bola, percebeu que era impossível chutar ou cabeceá-la; encolheu os braços e fez a única coisa que lhe cabia naquele instante – jogou o tronco para a frente. A bola bateu em sua barriga, ganhou o canto direito e, num segundo, tudo mudou: a festa descomunal da torcida do Flamengo se transformou num silêncio de mil cemitérios. Jorge Luiz, Fabinho e Roger estavam atônitos. Do outro lado, os tricolores ainda presentes experimentaram uma sensação indescritível: muitos começaram a chorar compulsivamente, outros se jogaram no chão das arquibancadas ou ajoelharam-se. Se é que cabe alguma descrição análoga para aquele momento, talvez seja a das pessoas comemorarem o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945.
O golpe final
Renato correu solitariamente para a direita – era a única pessoa em todo o estádio que sabia ter feito o gol. Todos imaginaram que o chute de Ailton tinha entrado direto – o único que poderia ter desconfiado foi justamente Ezio, que estava atrás do camisa 7 na hora do gol antológico (e, com seu faro de artilheiro, esperava alguma eventual sobra). Djair abraçou Aílton. Na verdade, nunca o Maracanã testemunhou um gol tão autoral de dois jogadores: a bola que Aílton chutou não entraria sem a intervenção de Renato; ao mesmo tempo, Renato só conseguiu marcar por que o chute de Aílton não foi um passe – e sim chute mesmo, com vigor, fúria, vontade de marcar e vencer. A seguir, os três se abraçaram. Estava consagrado o mais importante aperto de mãos da história do Fla-Flu. O resto do time demorou a chegar até a comemoração, talvez por não acreditar no que estava acontecendo – o que não é nenhum demérito: do lado tricolor, em campo e na torcida, todos ficaram paralisados por alguns instantes. O placar do Maracanã anunciou o gol de Ailton. Eram 41 minutos do segundo tempo,
Você lembra do sorriso contagiante de Ézio ao finalmente entrar no jogo?
Estava marcado o terceiro gol do maior Fla-Flu de todos os tempos. E era do Fluminense. E não era o gol de um só jogador, mas sim dois e também o resto do time. A barriga de Renato complementou a bomba de Aílton – um não existiria sem o outro ali.
Mas quem disse que o jogo tinha acabado?
Conteúdo extraído de “1995: O campeão do Centenário”, Paulo-Roberto Andel, Editora Multifoco, 2013.
Panorama Tricolor
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Arrepiante e emocionante…sem palavras….lembro-me como fosse ontem aos meu 12 anos de idade um garotinho que já amava esse clube de corpo, alma e coração. Inesquecível. Pra história. Tenho o jogo gravado em uma fita VHS, jogo trasmitido pelo canal GNT…não existia a sportv na época……nunca será apagado de nossa memória um momento como este.
Valeu Guerreiros de 95.
ST….