Eu comecei a correr por indicação médica.
Chega um tempo, que você escolhe: ou muda os hábitos de vida ou vai pro andar de cima. Eu preferi a linha reta, a linha contínua. Sou o Forrest Gump do terceiro mundo. E comecei a correr.
Hoje, continuo a correr, e não paro. Só vejo o horizonte na minha frente. Meu primeiro ponto foi aos 50 anos de idade: uma festa de aniversário. Afinal, 50 anos é meio século. Mas nem assim teve muita gente: alguns familiares, dava pra contar no dedo.
Daí que levantei a cabeça e continuei. Havia um longo caminho pela frente. Aos 40 anos, pensei que fosse dar um salto: meu disco saiu pela Revista Outra Coisa, o que me rendeu o prêmio Claro de Música Independente. Achei que dessa vez sim, seria finalmente reconhecido. Mas levantei a cabeça, respirei fundo e fixei o horizonte.
Aos 36 anos, meu casamento foi pras cucuias. Achava que dessa água nunca beberia. Ledo engano. Fui chifrado e tenho as marcas do chifre até hoje na minha bunda.
Mas continuei a correr porque a essa altura eu não sabia fazer outra coisa. Correr é o meu ofício. E aos 32 anos de idade fui à Europa e dei a bunda. Comecei essa via-crúcis sem saber aonde terminaria e fico constrangido com os percalços: doeu pra caralho.
Aos 25, eu já não sentia os músculos das pernas. E conheci a esperança, esse monstro de 7 cabeças. É que depois de tantos anos correndo, concluí que o meu negócio era esse mesmo. Daí porque produzi o meu primeiro disco. Não tivesse sido festejado pela imprensa, teria passado batido.
Mas essas paradas, onde aproveito para me restabelecer, são escolhidas meio ao acaso. São pontos entre milhões de outros. O que importa é o ímpeto, o deslocamento no espaço, e a linha reta contínua.
Aos 17 anos, eu era apenas um menino e perdi a virgindade. Foi num rendez-vous do Centro. A puta não tinha pêlos pubianos: era depiladinha. Mas eu ia avançando como dava, já estava em plena adolescência. À essa altura, nada mais era capaz de me conter. Tempos de polução e toalhinha.
Aos 10 anos, eu páro, respiro e olhos pra trás. Não saberia precisar a kilometragem. Foi indicação médica, daí tomei gosto. Forrest Gump do Terceiro Mundo, estou fazendo curso Humaitá para prestar concurso de admissão ao ginásio. O uniforme azul claro.
Mas eu avanço. Às vezes me pergunto se vou ter algum descanso. Estou com 5 anos agora, e esse é o quintal da minha casa. Me perdi dos meus pais durante o carnaval (já estavam me colocando no carro da polícia, quando meu pai chegou).
Penetro então numa zona cinzenta. Foi tudo tão rápido. Mas é preciso continuar. Afinal de contas, é uma linha reta composta por milhões de pontos. Gosto de falar “cocô” – minha mãe ralha e eu falo. Quanto mais ralha, mais eu falo.
Avanço e me puxam. A temperatura é amena. Me puxam para o lado de fora e eu avanço para o lado de dentro. Desde que empreendi essa corrida maluca, percebi que não haveria fim. Avanço. A minha linha é na direção do horizonte. Mas às vezes parece que cheguei ao ponto final. Quisera ficar aqui.
A nova parada é uma encruzilhada. Mas eu repito, nada disso foi visando algum fim. Podia ficar aqui pra sempre no útero da minha mãe. Mas vou tirar par ou ímpar. Se der par, eu sigo à direita; se ímpar, à esquerda.
Ímpar. Avanço então na direção escolhida e depois de um caminho árduo, cheio de escolhos, paro frente ao espelho. Sou uma mulher de meia idade e vou agora dormir ao lado de meu Homem. Mas prefiro seguir adiante e olho ao longo de um caminho cheio de bifurcações e cruzamentos.
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Imagem: rosky
Curso Humaitá… caramba!
Perto do Maracanã.
Estudei lá também, acho q em 76.
Hehehehe
Muito bom!