Amigos, amigas, nosso último dilema do ano é saber se participaremos da Copa Libertadores desde a pré ou se já entraremos na fase de grupos.
Vamos convir que é um saboroso dilema, haja vista nossas expectativas no começo de 2020. Nem vou repetir aquele surrado mantra de que ninguém podia esperar tal desfecho, até porque não podia mesmo.
A minha visão, antes do início da temporada era de que deveríamos nos dar por satisfeitos com a permanência na Série A e eventuais arroubos nas competições de mata-mata.
Pois eis que fomos eliminados já na primeira fase da Copa Sul-Americana, o que se afigurava como prenúncio de um desastre e colocava em xeque as ideias futebolísticas de Odair Hellmans.
Apesar disso, logo se fez mais evidente um indicador razoavelmente positivo. O Fluminense protagonizava no Flamengão 2020, sugerindo e confirmando uma distância considerável para Vasco e Botafogo.
Se Vasco e Botafogo eram parâmetros de comparação e análise da conjuntura, podíamos dizer que o patamar do Flu passava longe da briga contra o rebaixamento. Afinal, estávamos falando de dois participantes da Série A.
Tal impressão se mostrou acertada, porque o Fluminense briga por uma vaga na fase de grupos da Libertadores, enquanto o Botafogo já está rebaixado e o Vasco é candidatíssimo à mesma condição.
Temos que vencer Santos e Fortaleza e secar o Atlético MG. Em menor grau, podemos também secar o São Paulo a partir de amanhã, quando enfrenta o Palmeiras. Mesmo que não consigamos o G-4, iremos para a fase de grupos direto caso o Palmeiras seja campeão da Copa do Brasil.
Pausa para respirar e vamos voltar à tentativa, uma espécie de décimo terceiro trabalho de Hércules, de tentar explicar o que trouxe o Fluminense a essa condição tão inesperada lá no começo de 2020.
O futebol brasileiro mostrou traços bem sugestivos desde o início do Campeonato Brasileiro. Desde o início, chamou atenção a maturidade tática do Inter de Eduardo Coudet. O estilo transformado de Sampaoli no Atlético também foi um traço interessante.
Em algum momento, o São Paulo do Diniz apresentou futebol de primeira linha, assim como o Palmeiras pós-Luxemburgo. O Grêmio teve seus lampejos e o Flamengo atravessou aos trancos e barrancos a transição de Jesus para Dome e, posteriormente Ceni.
Quem vê os jogos atuais não enxerga a evolução do futebol brasileiro, que teve em Jesus o seu grande vetor, trazendo, inclusive, constrangimentos ao Flamengo, que sofreu goleadas de São Paulo e Atlético MG.
O Bragantino sugeria, ainda durante a disputa do Campeonato Paulista, que seria a boa surpresa do campeonato, mas levou mais de um turno para se achar após perceber que aquela correria desenfreada não daria certo.
Do Santos, vamos convir, ninguém esperava nada, e o Bahia, que parecia ter um bom elenco, até hoje briga contra o rebaixamento. Tirando isso, com algum desconto para Ceará, Fortaleza, Athlético PR e Corintians, moldados para o meio da tabela, não temos mais nada.
Pois mal começou o Brasileiro, o Fluminense de Odair colou no Inter como uma das equipes mais bem fundamentadas Brasileiro. E isso já era muita coisa para um momento em que todos pareciam um pouco perdidos.
Com menos de dez rodadas, eu, particularmente, já apontava o Fluminense como integrante de um G-6, junto com Flamengo, Inter, Atlético MG, Grêmio e São Paulo. Vocês podem estranhar a ausência do Palmeiras, talvez porque naquele momento ainda não houvesse sofrido aquelas três derrotas devastadoras em sequência, que culminaram na queda de Vanderlei Luxemburgo.
Como o Grêmio começou o campeonato tropeçando nas próprias pernas, tentando assimilar perdas importantes, como a de Cebolinha, está aí a primeira explicação para o Fluminense no G-6. Enquanto nos mantínhamos lá no bolo dos líderes, Grêmio e Palmeiras ainda tentavam achar seu caminho. É só olhar a tabela atual e veremos os dois como nossos perseguidores mais próximos.
Sem contar que Grêmio e Palmeiras viveram o desafio de disputar competições paralelas, a exemplo de Flamengo, São Paulo, Inter e Santos, que andou vivendo seu momento de brilho no campeonato. E está aí outra explicação. Eliminado precocemente da Copa do Brasil, o Fluminense pode se dedicar exclusivamente ao Brasileiro, assim como Atlético MG, que hoje é o terceiro colocado no campeonato.
Mas até aqui são explicações conjunturais, que podem lançar uma sombra demeritória sobre o nosso feito, o que seria uma baita injustiça.
O Fluminense perdeu Gilberto e Evanilson no primeiro turno. Evanilson era nossa referência ofensiva e não tínhamos um substituto para ele, pelo menos entre os escolhidos por Odair. Em determinado momento, o trabalho se perdeu, quando Odair conseguiu juntar no mesmo time: Egídio, Hudson, Nenê, Wellington Silva e Fred.
Aí, amigos, amigas, o barco só podia mesmo afundar. Mas os Deuses estavam de boa vontade e, após o começo de crise, aproveitamos uma sequência contra os piores times do campeonato para chegar ao G-4 no final do primeiro turno.
Mérito de quem? Do Fluminense, uai! E ainda teve a crise de Covid no elenco. Ou nós tínhamos elenco, ou tínhamos muita sorte. Mas lembrem-se de que lá na nona, décima rodada, eu já colocava o Fluminense no G-6.
Eis que o Fluminense volta a afundar em péssimas escalações, perde Dodi, praticamente perde Marcos Paulo e, para completar, perde Odair. Parecia o fim da linha.
Entra Marcão e repete as mesmas opções de Odair. Péssimo começo de Marcão e já havia quem pedisse sua cabeça. Aos poucos, porém, Marcão, por opção, ou por falta delas, começa a mexer no time. Martinelli ganha a condição de titular ao lado de Yago, Luis Henrique no lugar de Wellington.
Algumas peças duvidosas deixam de ser a primeira opção na hora das substituições, Michel Araujo se recupera, Egidio retorna ao time em ótima forma técnica e até Pacheco volta a entrar no decorrer das partidas.
Escolhas acertadas, em que pese a insistência com Lucca, melhor futebol, melhores resultados. Pegamos adversários nitidamente inferiores e voltamos para o lugar que é o nosso no campeonato. O Fluminense não fez partidas maravilhosas, não apavorou ninguém, mas está num patamar muito superior à maioria dos adversários. E isso é desde o começo.
Escolhas melhores de Odair, depois de Marcão, poderiam ter-nos levado a estar agora disputando o título brasileiro. Aqui nessa coluna e nos programas do Panorama, eu cansei de falar isso. A gente falava tanto em John Kennedy e Samuel. Saiu um, entrou o outro e os dois marcaram contra o Ceará.
Então, nós temos uma explicação que está acima de todas as outras, que é o fato de que o Fluminense teve recursos superiores ao longo da temporada. Não é que as contratações tenham sido boas, é que nós temos Xerém. Tirando Yago e Michel Araujo, que já estava aí, com ressalvas ao Egídio de bigode e ao Pacheco, em quem eu ainda acredito muito, o que temos é o Fred, cuja entrega não justifica o alto investimento, e o último jogo mostrou que pode ser fácil e produtivamente substituído.
Mesmo o Fred, porém, contribuiu para agregar recursos a essa campanha tricolor. Então, amigos, amigas, não tem acaso, o que tem é o bom trabalho do Odair, o Marcão surpreendendo mais uma vez (daqui a pouco já não será mais surpresa nenhuma), o trabalho incansável dos Deuses e Xerém, que nos faz começar com Evanilson e terminar com John Kennedy. É muito luxo!
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Vamos falar um pouco de 2021?
A minha visão é de que, se o Fluminense levar futebol um pouco mais a sério na próxima temporada, temos ótimas condições de sermos protagonistas e lutarmos por títulos.
Os números mostram que temos uma boa base no time atual. A experiência recente mostra que dar espaço para a base é uma excelente receita para o sucesso. Duas ou três contratações sensatas podem encorpar ainda mais esse time.
Acredito na capacidade do Roger, que precisa de tempo para trabalhar. Assim como acredito que Marcão deve ser preparado para ser o técnico definitivo do Fluminense num ponto futuro. Não há como brigar com os fatos. São dois anos assumindo o time e fazendo jogar. Os dois precisam trabalhar juntos, e um agregando valor ao outro.
Se eliminarmos as escalações por critérios não técnicos, que a gente sabe que existem, podemos ter um ano memorável, mesmo com aquelas abomináveis, porém necessárias, vendas no meio do ano. E quando falo necessárias, não é para rifar os jogadores, é para vender com bom senso, por preços que permitam ao clube abater sua dívida e investir naquilo em que devemos investir. Falo em dar salários compatíveis a jovens valores e investir no projeto Laranjeiras 21, se é que será preciso investir.
Se a gestão Mário só encaminhar esse projeto, já terá valido a pena, porque não há nada que justifique levar prejuízo em mais da metade dos jogos da temporada no match day. E não adianta dizer que tem a receita de consumo, que tem a televisão e que tem o sócio torcedor. Tem que ter lucro na bilheteria!
Vamos seguir vigilantes, mas com pensamento positivo. Pensamento positivo não tem nada a ver com otimismo. Tem a ver com analisar com frieza, considerar as possibilidades e agir como nos seja permitido.
Era para ter ficado só no futebol, mas eu acabei abrindo o leque. Então, mais uma vez, pela milésima vez, o Fluminense, independente do que acontecer em 2021 ou 2022, precisa de uma grande transformação, da troca do modelo organizacional amador por um modelo empresarial. Não adianta fazer paliativo, porque não vai funcionar no médio e no longo prazo. Ou nós queremos ser protagonistas por um ou dois anos e acabar insolventes na Série B, como aconteceu com o Cruzeiro?
Desculpem o artigo gigantesco, mas ele é, ao mesmo tempo, do tamanho da minha empolgação e, por outro lado, da minha preocupação.
Saudações Tricolores!