Fluminense 0 x 0 Grêmio (por Paulo-Roberto Andel)

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1

A lição de meu querido e desaparecido pai, Helio, numa arquibancada depois de uma derrota tricolor no Maracanã, talvez 1979:

– Perdemos, filho, mas o time jogou com raça. Não temos dinheiro, o time enfraqueceu mas a única coisa da qual nunca podemos abrir mão é a raça. Lembre-se sempre disso.

Eu lembro.

2

Românticos e apaixonados no Maracanã. Os maníacos de fé que desprezam obviedades e buscam um livro numa vírgula. Vamos ao jogo das dez da noite e sonhamos que Carlinhos vai jogar como em 2010, Fred vai jogar como em 2012, Sobis vai lutar como em 2013 e que Bruno vai deixar de ser Bruno. Somos sonhadores demais, temos dificuldade em entender os sestros e as dolências que o implacável tempo tem. Somos seis mil maníacos.

Não vai voltar. Queremos muito, mas não vai voltar. “The endless river” será o álbum do ano, mas o Pink Floyd não vai voltar.

Ruim no primeiro tempo, pouco melhor no segundo e caindo novamente no fim, o Fluminense pouco chutou. Bem verdade que não repetiu a estúpida marcação na própria intermediária. Tomou dois petardos na trave. O Grêmio não foi incisivo mas tentou mais e tinha mais físico – todos tem contra o Flu. Conca, mesmo mal, faz falta demais.

Cícero tentou bastante, sem sucesso. Bom o garoto Rafinha, bom. Esplêndido o Marlon, que continue assim – parece o Tadeu, nosso craque da defesa campeã de 1980. O problema é que o outro zagueiro não é Edinho, mas Elivélton.

Chiquinho perdeu o arranque. Wagner morto. Scarpa entrou no fim. Sobis saiu irritado e tem alguma razão: se é para sair porque é lento, tem gente na frente. Só por isso, no entanto.

Fred foi três vezes na defesa, fez o tradicional Cristo Redentor (parado de braços abertos) na frente, não chegou nas bolas quadradas e nem nas redondas. Muita falácia para pouca produtividade, cobrindo o essencial: a decadência física – nem Lord Garcez aguentou. Atrás de mim, duas fredetes gritavam sem parar, típico caso em que tesão não faz gol, só esse.

Zero a zero. Nem foi preciso tomar gol para o Fluminense sair derrotado na alma. Um jogo tão opaco que nem a arbitragem costumeiramente alegre de Heber floresceu.

3

Antes do jogo, Antonio foi sincero: vem à frente um longo inverno. Os jovens vão precisar seguir o conselho de Nelson Rodrigues: envelhecer.

4

Pela primeira vez em um ano e meio, conheci o setor Leste. Parece tudo, menos um estádio de futebol, ao menos aquele que vivi e conheci. Lounge, soft, centro de convivência com assepsia de shopping center moderno. Ali, entendi que tinham matado de vez o meu Maracanã, o de meu pai, o da Máquina do Dr. Horta, o do querido Dionísio, herói de 1973, falecido ontem.

As flores tem cheiro de morte.

5

Motivos de riso: a conversa dos amigos, súditos nerds aos pés de Erica, o estilo tricoleba do corredor sofisticado, palavrões de Caldeira em busca da subversão frente à elite burguesa presente.

Motivos de desprezo: os cantos de aparte dos torcedores gaúchos presentes, tentando ostentar um sentimento separatista oco padrão Argentina série B.

Motivos de dor: o Fluminense está em situação de risco a dois meses do fim do campeonato, sem gana, acomodado, previsível. Inacreditável.

Saudade: nossos fiéis, gatas cheirosas, risos e companhia. Marina. Silêncio.

Por que não mantiveram o placar vintage do Fla-Flu?

6

Alguém me disse que o Flamengo foi operado no Morumbi. O árbitro então merece um século de perdão.

7

Vontade de ver meu time de volta com aquele futebol do começo do campeonato, feito os passos da bailarina com olhar de naja verde à ribalta do coração do Rio. Onde mora a Juliana?

Ser romântico e previsível, mesmo sabendo que o rio interminável jamais terá de volta suas águas mais cristalinas. Pau, pedra, fim do caminho.

Pensar em quem só quer ser feliz.

Ah, se as pessoas pudessem oferecer aos seus próximos o amor que sentem pelo Fluminense.

Oh, naja verde que enfeitiça mas não surge, cobiça mas não assume, cogita mas não ataca.

Estamos na primavera. Que não nos venham as lágrimas do verão passado.

As lições de meu querido pai às duas horas da manhã desta quinta-feira. O Fluminense ruge, arde, pulsa. Longe deste zero a zero chocho. Sobreviveremos.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

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