Os Jogos Olímpicos que se encerraram no último domingo mostraram a melhor face do Rio de Janeiro e do Brasil ao mundo. Não houve exatamente uma maquiagem nessa face, mas um posicionamento adequado para que expusesse com brilho aquilo que nela há de melhor. Eram perceptíveis as rugas e as espinhas, mas as grandes imperfeições ficaram na penumbra.
E o que o Rio e o Brasil têm de melhor hoje em dia? Certamente, a espontaneidade ímpar de seu povo. Nas ruas, nas praças, nas tais arenas, a gente carioca, a gente brasileira, deixou-se levar pelo sonho de duas semanas. Quem passeou pela cidade nessa quinzena, sobretudo pela região turística (que agora inclui o centro e a área portuária), viu uma festa de congraçamento, mais ou menos oposta à guerra de todos contra todos de que participamos no dia a dia. Os brasileiros, cariocas principalmente, ciceroneavam milhares de estrangeiros de maneira calorosa, cordial. Havia gente papeando pelas ruas, bebendo e comendo tranquilamente, música e alegria para todo lado. Até a muvuca de um passeio de VLT foi experimentada como uma experiência nova, cativante.
A cidade do Rio também estava lindíssima. Não estava embalada em papel de presente, limpinha, asséptica, sem seus defeitos, suas horrorosas imperfeições. Estava do jeito que é, com uma ou outra bela novidade, mas do jeito que é no cotidiano, Jakyll e Hyde manifestados ao mesmo tempo. O medo, os novos hábitos, mais reclusos, preconceitos de toda sorte, o sistema de transporte péssimo, as jornadas extenuantes de trabalho têm levado o carioca a usufruir pouco da cidade, das suas belezas comuns, do seu cotidiano lindíssimo. Muitos foram os cariocas que, pela primeira vez, curtiram de fato o centro da cidade, que usaram massivamente o transporte público, que flanaram despreocupadamente pela rua.
Nas tais arenas, também pudemos mostrar nosso melhor. Não é realmente muito, mas é o melhor que podemos fazer. Muitos de nossos atletas brilharam nas quadras, nos campos e nas águas, mostrando que há talento em nossos jovens, muitos deles campeões da loteria da vida. O que seu sucesso revela não é apenas sua história pessoal de superação – como insistem em dizer os alienados narradores da televisão, que reduzem tudo ao esforço individual. O sucesso de muitos medalhistas é indício das possibilidades incríveis contidas no chamado povo comum, eufemismo horroroso para designar a maioria absoluta da população. São possibilidades que estão latentes em outros tantos heróis e heroínas do cotidiano, cujos talentos para a arte, a filosofia, o esporte, o artesanato etc. ainda não foram revelados, e que, possivelmente, nossa sociedade opressora não permitirá revelar.
Essa reflexão sobre os jogos serviu-me, no raciocínio e agora no texto, de ponte para uma reflexão sobre o desempenho do Fluminense neste ano de 2016. O Fluminense veio para o ano com um planejamento fadado ao fracasso. Manteve um técnico ruim, formou um elenco caro e cheio de deficiências. Ao longo dos últimos seis meses, o Fluminense trocou toda a direção do futebol, trocou o técnico, vendeu a principal estrela do elenco para um rival, mandou embora e contratou uma penca de jogadores, a maioria figurante do mundo da bola. Não temos um estádio adequado para jogar, não temos uma definição sobre os próximos jogos, o preço dos ingressos é caríssimo. Enfim, o Fluminense fez de tudo para ter um ano de 2016 trágico, esforçou-se bastante para isso.
Mas, como acontece muitas vezes com o Fluminense, nossa melhor figura começou a aparecer espontaneamente, do nada, como se diz. Quem é nossa melhor figura? Nossa alma, sem dúvida. Uma vez, falando do Flamengo, Nelson Rodrigues disse que a força do time preferido por seu irmão era tão grande que um dia a camisa do Flamengo poderia entrar em campo sozinha. Imagino que Nelson naturalmente aplicaria o mesmo raciocínio ao seu querido Fluminense, talvez acrescentando que nem camisa o Fluminense precisa: bastaria a alma, encarnada no que quer que seja.
O Fluminense não tem um bom time, não tem um bom elenco, não se preparou adequadamente para o campeonato, para o ano. Mas ainda assim é o Fluminense. Pode estar sufocado por uma administração incompetente, mas é o Fluminense. Pode não ter casa no Rio para jogar, mas é o Fluminense. O melhor do Fluminense é o Fluminense, sempre foi.
É verdade que não estamos mostrando nossa plena constituição, justamente porque não nos preparamos, temos uma administração incompetente, não temos casa para jogar etc. Mas creio que estejamos, de alguma forma, mostrando o nosso melhor. Ser Fluminense é ser apaixonado pelo imponderável, é ganhar quando todo mundo aposta contra, é perder quando já se celebra a vitória. O Fluminense não é aquele que se julga imbatível, intransponível, é aquele que entende que a derrota é sempre passageira, sempre a ponte entre uma grande vitória e outra.
Não sei se esse time, esse elenco sobretudo, chegará em algum lugar e acredito que, possivelmente, não. Mas, é preciso reconhecer, o Fluminense de 2016 veio do nada e alguma coisa já fez: aprendeu a portar-se como Fluminense. Só parece pouco para quem nunca viu as extraordinárias façanhas capazes de ser realizadas pela alma tricolor.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: jolem
Morro de rir com essa torcida Flu Balancete. Gostam mais do dirigentes do que do clube
Prezado Felipe,
também me assombra. Mas vamos levando, é do jogo.
Obrigado pela leitura e comentário.
ST,
João
Fica bem claro quando as pessoas escrevem, de que lado estão. Nem precisam dizer em quem vão votar. Quer dizer que a diretoria do Flu é incompetente porque não tem estádio. É impressionante. O Flu tem um dos maiores advogados do Brasil. O Fra tem um presidente que foi do primeiro escalão do BNDES, e também não tem estádio. Então, os dois são incompetentes?. Ambos tiveram que lidar com dívidas imensas deixadas por “adeministradores”, alguns honestos e outros desonestos. E ambos conseguiram…
Prezado José Roberto,
não tem mistério, pois já declarei isso diversas vezes: vou votar na oposição mesmo, embora não tenha definido qual candidato de oposição receberá meu voto (se é que algum receberá). Espero que ainda seja permitido no Brasil escolher livremente em quem se vota, seja em que âmbito for.
Sobre o estádio, considero os presidentes de Fluminense, Flamengo e Botafogo incompetentes. Admiro-me que alguém os considere competentes, particularmente nesse quesito.
ST,
João