A homenagem a um dos maiores artilheiros da história do Fluminense, que completaria 50 anos neste 15 de maio.
SINISTRO, MUITO SINISTRO O SUPER-ÉZIO
“O artilheiro que foi mais do que um ídolo, na verdade um super-herói.
Encantou crianças, adolescentes, homens e mulheres, idosos e todos das Laranjeiras, de tal forma que me arrisco a dizer: foi um dos jogadores mais humildes, simpáticos e carismáticos da história do Fluminense. Sempre tratou bem a todos, com um enorme e sincero sorriso no rosto. Tudo bem diferente dos artificialismos de hoje em dia.
Jogou quatro temporadas e meia. Marcou gols a granel. Tudo num tempo de dificuldades tricolores: times baratos, jogos nas Laranjeiras, dívidas. Mas engana-se quem pensa que o período sem títulos entre 1986 e 1994 foi marcado pela decadência tricolor. Apesar do grito de campeão represado, o Flu disputou diversos jogos decisivos e finais. Não raro, foi prejudicado claramente em situações capitais – leia-se as decisões dos Cariocas de 1991 e 1993, mais a Copa do Brasil de 1992.
Ézio jamais reclamou, brigou ou desrespeitou a camisa do Fluminense. O máximo que fez foi mostrar tristeza em sua fase final no clube: não vinha bem, acabou reserva, queria melhorar. Em seu último jogo, tocou na bola que, segundos depois, encontraria a barriga mágica de Renato Gaúcho no maior jogo de todos os tempos – atrás deste, o artilheiro sorridente vinha atrás, esperando um rebote, uma chance derradeira.
Em 1991, o Fluminense não foi campeão brasileiro, mas cumpriu uma bela jornada: para chegar às semifinais, precisava vencer cinco jogos seguidos no momento final da fase de classificação – e acabou conseguindo. Era um time operário, sem estrelas, que tinha em seu artilheiro a luz para iluminar os caminhos.
É natural que os torcedores em geral apeguem-se a grandes vitórias e títulos, o que nem sempre significa a melhor avaliação: nem sempre o melhor vence, nem sempre o campeão é o mais admirado. Por exemplo, sem conquistas nacionais, a Máquina Tricolor do Doutor Horta é um dos times mais importantes da história do Fluminense – e, sem sombra de dúvidas, o mais famoso. O caso de Ézio é emblemático: um dos maiores artilheiros tricolores de todos os tempos foi também o timoneiro de tempos sem títulos, difíceis, mas nem de longe sofridos – havia o sentimento de que, em breve, emplacaríanos. Ninguém sabia que aquela espera de nove anos desaguaria numa de nossas histórias mais sensacionais e definitivas.
Tenho saudades de Ézio. Do jeito humilde como tratava a todos. O carinho com as crianças. A permanente satisfação em defender o Fluminense. Não era um craque e nem precisava sê-lo: bastava-lhe a condição de artilheiro lutador, desbravador, herói da doçura e da capacidade de honrar a camisa dentro de campo.
Tenho saudades de um Fluminense mais simples, sem nariz empinado e empáfia oca, sem obsessão midiática. Onde os torcedores se abraçavam de verdade, com afeto, sem a necessidade pueril de afirmação individual.
Éramos tricolores de uma só arquibancada, um samba.
No campo, não vivíamos a melhor fase, mas nem de longe ela carecia de fidalguia, esforço e dignidade. Tínhamos orgulho, os jogadores também, ao contrário da indiferença de certos campeões, midiaticamente dedicados, mas indiferentes aos sentimentos da torcida: o importante é a grana, nem que se tenha que quebrar um vestiário ou colocar o dedo na cara de dirigente para obtê-la.
Ao lado de outros heróis, Ézio representa para mim o futebol de outro tempo, um Maracanã democrático, um Fluminense que não precisava de autoafirmação estrambótica porque a simples menção de seu nome sugeria uma conquista, mesmo que ela viesse a demorar. Outras palavras.
Perdoem-me certa tristeza. O Fluminense de agora tem títulos, nome, grife, algum poder econômico, dívidas também. Mas aqui não quero falar de pragmatismo de resultados. Hoje é uma segunda-feira. Meu interesse é falar de sentimentos bons, de amor, de simpatia.
Muitos são ricos. Alguns são campeões. Outros são craques. Quem consegue atravessar décadas por conta de respeito, dignidade e caráter?
Super herói só teve um: Super Ézio, na voz espetacular de Januário de Oliveira.
Seu último jogo pelo nosso time foi o Fla-Flu imortal do gol de barriga. Gran finale.
O Fluminense é um mar de saudade.”
Publicado originalmente em “O Fluminense que eu vivi”, Paulo-Roberto Andel, Vilarejo Metaeditora, 2015, página 97.
Panorama Tricolor
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Imagem: rap/ffc
Foto: Juha Tamminem
Colaboração de Opina Flu, Fabiano Artiles, Marcelo Henrique e Orgulho de Ser Tricolor