Editorial – Estranhas coincidências, estatísticas suspeitas

Há cerca de um ano, o contestadíssimo lateral-esquerdo Egídio apareceu subitamente incensado por um veículo jornalístico de grande audiência, apontando o jogador como um novo fenômeno de eficiência em sua posição, baseado em estatísticas. Dado que o teor da matéria e da manchete não se alinhava com os fatos sequer em mínima razoabilidade, Egídio acabou perdendo espaço e deixou o clube, depois de brava disputa de posição com Danilo Barcelos. Não faltou quem desconfiasse que o scout tricolor para as duas contratações tivesse sido atropelado por quatro letras: u, r, a, m.

Ainda com a massa tricolor comemorando o merecido título carioca, eis que o Tricolor venceu o fraquíssimo Oriente Petrolero em sua estreia pela Sul-americana. Para surpresa de muitos sócios em suas caixas de e-mail, o melhor homem em campo no release do clube foi Cris Silva, também baseado em estatísticas. O fato causou reações de surpresa, risos e indignação. Longe de demonizar qualquer jogador, o fato é que o lateral-esquerdo está marcado desde sua estreia por atuações muito limitadas e, ainda que tenha inclusive feito um gol na quarta-feira, nem de longe foi o destaque do jogo no feeling da torcida.

Em ambos os casos, percebe-se a manipulação da interpretação estatística que pode ser vista por dois prismas: o erro amostral, validando um conjunto de dados (no caso, as qualidades de atuação) insuficiente para uma conclusão científica, ou ainda um erro de tipo I no teste de hipóteses – o chamado falso positivo, quando se dá validade estatística a um teste que, na verdade, ofereceu resultados momentâneos por acaso. Resumindo: o corte seletivo e pontual na base de dados que, de alguma forma, dê a impressão de uma excelente performance dos atletas. Na prática, uma manobra que não interessa aos objetivos do clube e da torcida.

Por mais que Fred mereça o apreço da torcida como maior ídolo do Fluminense no século XXI, é no mínimo curioso que, logo após o jogo contra o Botafogo, imediatamente surja um vídeo viralizado com a suposta importância do jogador na catimba até o gol salvador de Cano. Para muita gente, paixão e defesa do ídolo. Há quem desconfie do objetivo.

A seguir, na segunda partida da decisão, Fred foi novamente exaltado, mas não pelas qualidades que pavimentou pela carreira e sim pela confusão em campo. É bom dizer que o camisa 9 foi chutado primeiro. Com o Fluminense campeão carioca, mas alijado da Libertadores, principal objetivo da temporada, imediatamente pipocam rumores da prorrogação do contrato de Fred até o fim de 2022, custo de alguns milhões de reais que certamente não estava previsto no orçamento. Teremos novas dificuldades para pegar aviões…

O alvoroçar de parte da torcida por Luiz Henrique ter curtido uma postagem do time rival é mais um capítulo repetido da novela tricolor. Em muitas ocasiões, quando um jogador destacado vindo da base está para ser negociado, surge alguma situação que justifica sua retirada do time: cabeça na Europa, indisciplina, curtiu algo de outra equipe, o pai é chato e atrapalha. Às vezes, a “ótima relação com o contratante” justifica a saída do jogador meses antes do previsto. A soma desses fatos já abreviou a carreira de pelo menos dois times tricolores nos últimos cinco ou sete anos.

Por fim, a “novidade” nas redes sociais: textos de tamanho grande publicados por anônimos, fazendo a ode intransigente das sandices da gestão, com muitos erros de Português (para sugerir que os autores sejam pessoas humildes, de formação restrita), repetidos e publicados em inúmeros grupos do Facebook e compartilhados no WhatsApp a valer. Somados a blogs, sites, influencers chapa branca e outros, número um na caça de vantagens, o total mostra que há um verdadeiro exército de tricolores que, no mínimo por paixão, normaliza absurdos como os valores nas contratações de Cris Silva e Caio Paulista, além de fazer vista grossa para muita coisa sugerida até pelo vice-presidente que se desligou da gestão recentemente, depois de passar anos testemunhando o submundo do poder tricolor. O que explica tudo isso?

Finalmente o Fluminense foi campeão carioca. Começou bem a Sul-americana, ainda que como consolação pela Libertadores. Promete um bom início neste sábado diante do Santos. O momento do campo é importante, mas combater os erros dos bastidores é fundamental para que não venhamos a celebrar outro título de expressão somente em 2032. Somos campeões, mas jamais poderíamos ter ficado nove anos sem conquistas com o dinheiro que o Fluminense movimenta.

Os milhões de tricolores precisam resgatar o senso crítico coletivo. Parte da torcida já o recobrou, para a dor de cabeça do advogado que hoje preside o clube.