Um menino chegando às cadeiras azuis do Maracanã quando este era o Maracanã no começo do século XXI. Poucos segundos depois de se sentar, disse um “Ah, não!”: o goleiro Murilo se atrapalhou no começo da partida, o atacante do Brasiliense acabou marcando um gol e lá fomos nós a mais uma eliminação da Copa do Brasil, que nos escaparia até 2007.
Pude vê-lo em várias oportunidades no Maracanã não somente nas azuis mas também em diversos pontos na arquibancada. Momentos de alegria e tristeza. Temíamos o futuro, acabávamos de escapar da morte esportiva, éramos tensão e dúvida. Mas era um Fluminense diferente, de abraços, camaradagem e fé, longe da new order mauriçola que confunde sofisticação com pedantismo, capacidade com prepotência e discurso com verborragia.
Éramos mais simples. Humildes.
Um garoto de poucas palavras, roupas modestas. O olhar que parecia triste transformava-se com o Fluminense jogando, pouco importando quem estava no gramado: um Asprilla, um Agnaldo. Roni. Igor na lateral. Milton do Ó. Zada, Zada. Ria com as finalizações, desimportando se eram bem sucedidas ou não. Cabelos claros, magro, branco. Daquelas fisionomias que a gente vai se acostumando a cada quarta-feira e domingo.
Às vezes estava perto de um rapaz mais velho, que parecia ser seu irmão, gordo, com roupas também humildes, sempre de chinelos de dedo, geralmente sério e um pouco triste também. O Fluminense era uma irmandade: de vista, você localizava todo mundo. Os dois compravam cachorro quente, refrigerantes e ficavam quase calados. Cães de guarda da torcida, sempre alertas para com as coisas do campo.
Ambos em silêncio quando Ademar acertou aquele balaço para o São Caetano. Sorridentes quando o Flu foi o campeão do centenário em 2002 – o garoto ganhou uma faixa de campeão de um conhecido. Contemplativos nas cadeiras quando empatamos certa vez com o Cabo Frio (temporariamente com este nome e tendo o Doutor Sócrates como supervisor efêmero) em zero a zero numa estreia chinfrim do Carioca, com pouquíssimo público. Gente humilde querendo ficar perto do Fluminense, feito amor de bicho pelo dono e a recíproca plenamente verdadeira. Figurinhas carimbadas do estádio, das que vemos e dizemos: “Estamos em casa”.
Eu também estava nas cadeiras atrás do gol do Lugão quando eles pularam como nunca com o Antonio Carlos em 2005, esse mesmo que está de volta. Foi um gol incrível, daqueles que escrevem os nossos dias: o último lance, a jogada derradeira, a bola ganhando mansamente a rede numa situação inesperada. Irresistíveis campeões.
A partir de um momento, não sei dizer qual, deixei de vê-los. Alguns jogos, vários, muitos e nunca mais encontrei aquelas duas fisionomias inicialmente tristes, que pareciam ficar fora de órbita toda vez que as bandeiras eram levantadas e o time entrava em campo com a nossa bandeira. Podiam ser estudantes, trabalhadores, pobres. Talvez tivessem grandes dificuldades cotidianas. Talvez só percebessem o que era cidadania quando subiam aqueles degraus. Onde foram parar aqueles tricolores admiráveis? Não sei dizer.
Queria rever os dois irmãos. Saber que melhoraram de vida, que continuaram fiéis ao Fluminense, que representam a nossa humildade em tempos cada vez mais sombrios nesta sociedade. Queria falar com eles, abraçá-los e dizer: “Vocês são esse time e esse clube, porra! Não deixem que a vã burguesia ignara de merda faça de vocês a indiferença”. Chamá-los para um chope, uma conversa amiga, uma fraternidade tricolor. Lembrar dos tempos de luta, quando fomos vizinhos no concreto sincero do Maracanã, na vitória e na derrota. Rimos e choramos juntos, somos uma família. Sempre estivemos perto.
Ao ler estas ditas redes antissociais (uma perda de tempo que pretendo abandonar), com seus pedantes ocos de merda, com a linguagem cabotina de merda a praticar estelionatos intelectuais, tratando os interlocutores como otários, como se a história tivesse nascido outro dia, penso nos dois irmãos. Quando saio de Edson Passos num jogo à tarde, penso nos dois irmãos. Os anos se passaram, hoje somos bem diferentes, saímos do leito de morte para as glórias. Agora somos confusos demais, dentro de uma estúpida e inaceitável disputa para se saber quem é mais tricolor, os melhores contra os péssimos, arroubos de arrogância que não condizem com nossas cores. O Maracanã era frio do lado de fora no sábado passado e lembrei dos dois irmãos.
As duas silhuetas humildes que vejo na memória dizem mais do que qualquer uma dessas besteiras de computador. Naquelas, eu também fui um amigo sem palavras, um cavaleiro da dor, um correto e silencioso irmão.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: google
Não nos deixe órfãos nas redes antisociais!!! Nós precisamos de sua inteligência por lá. Saudações Tricolores!!!!
Me fizera lembrar de duas pessoas, mãe e filha. Naquele Fla-Flu do gol de barriga, vi uma mulher aos prantos no gol do Fabinho , eu e sua filha (10 anos na época) tentávamos consolá-la, chorara até o gol do Renato. Fiquei exatos 10 anos a sua procura, encontrei, a filha, já adulta, na semifinal contra o Vasco em 2005, perguntei se era ela mesma, surpreendeu-se com minha memória e mostrou-me sua mãe, seu sorriso lembro até hoje. Toda vez que vou ao Maracanã fico a procura delas. Nunca mais as vi.
Cara, que história maneira.
Me fizera lembrar de duas pessoas, mãe e filha. Naquele Fla-Flu do gol de barriga, vi uma mulher aos prantos no gol do Fabinho , eu e sua filha (10 anos na época) tentávamos consolá-la, chorara até o gol do Renato. Fiquei exatos 10 anos a sua procura, encontrei, a filha, já adulta, na semifinal contra o Vasco em 2005, perguntei se era ela mesma, surpreendeu-se com minha memória e mostrou-me sua mãe, seu sorriso lembro até hoje. Toda vez que vou ao Maracanã fico a procura delas. Nunca mais vi.
Nossa Andel, senti a sua saudade sem tê-la vivido. Sou de Fortaleza/Ce e nunca tive o privilégio de ir ao Maracanã. Creio que a empatia veio da minha vontade de saber a identidade de um garoto de cabelos loiros, sorriso nos lábios e nos olhos (sim, ele sorria pelos olhos), que está em praticamente todas as fotos do Fluminense da década de 80. Ainda hoje desejo saber quem era e como está. Ainda vai ao Maracanã, ainda sorri pelos olhos? Abraço tricolor, irmão!