Conversando de manhã com Gonzalez e falando de heróis do nosso time, refleti sobre o Fla x Flu. É, temos um à vista.
Da última vez, foi muito duro. Não somente pela derrota, mas do jeito que ela aconteceu. Uma coisa é você perder um jogo porque errou, tentou, não acertou; a outra é quando você já entra derrotado, e isso foi inaceitável na decisão do Carioca.
Quando o Fluminense entra em campo, todo jogo é sério. Foi assim que aprendi com meu pai e Edinho. Nos clássicos, mais ainda. No Fla x Flu, mais do que tudo. É o jogo maior, com um século nas costas.
A primeira grande vitória que vi num Fla x Flu não foi uma qualquer. Teve gol de placa do Cristovão – o do Rubens Galaxe também foi bonito, pênalti perdido pelo Zico com direito a chororô no jornal – viva Paulo Goulart! -, garra, atitude, mais de 100 mil torcedores. Foi em 1979 e fizemos 3 a 0 numa tarde gloriosa de domingo. Sai orgulhoso do Maracanã com meu pai me puxando pela mão, pensando na hora do recreio do dia seguinte. Era a descoberta da parte maravilhosa do futebol. Íamos bem cedo para os jogos, meu pai me dava aulas de Fluminense – e tome Escurinho, Telê, Didi, Pinheiro, Castilho. Ele adorava o Escurinho, ponta-esquerda que jogou muitos anos no Flu, fez mais de 100 gols e marcou seu nome na história. O mesmo Escurinho que teve uma longa vida, morreu no ano passado e teria feito aniversário agora.
Bem antes do meu Fla x Flu, do Escurinho e até do meu pai, o Fluminense teve um time da pesada, nos anos 1930, mais precisamente entre os anos de 1936 e 1941, quando ganhou absolutamente tudo que podia. Colocou cinco jogadores na Copa da França em 1938, e o Brasil terminou em terceiro lugar, sua melhor colocação até então em Mundiais. Uma dessas feras era o ponta-esquerda Hércules de Miranda, que também teria feito aniversário agora. Uma fera com mais de 150 gols pelo Fluminense, dono de um chute fortíssimo.
Nesse tempo dourado dos anos 1930-40, o Fluminense deu muitas chineladas no Fla x Flu. Também levou, mas deu muitas. Foram 4 a 3 a 4 a 1 em 1937, 3 a 0 em 1938, 4 a 2 em 1941, repercutindo até 5 a 1 em 1943 e 4 a 0 em 1945. Imagine o time que ganhou o então campeonato mais importante do pais em cinco de seis temporadas consecutivas (1936, 37, 38, 40 e 41). O tempo de Hércules, Tim, Romeu, Carreiro e Russo, jogadores que, somados, fizeram mais de 500 gols pelo Fluminense. Para os desavisados, tudo se resumiu ao Fla x Flu da Lagoa, mas é fácil perceber que é tudo muito, mas muito além disso. Se não houvesse a Segunda Guerra Mundial, provavelmente o Brasil teria ganho seu primeiro título mundial na Copa de 1942, com uma linha de ataque tricolor e Batatais no gol.
O Fluminense daqueles anos 1930-40 era avassalador, mas o time do Escurinho não estava de bobeira. Ele chegou depois, mas o Flu já tinha sido campeão mundial e ganhou a seguir dois Torneios Rio-São Paulo em 1957 e 1960, o Brasileiro da época. Então passamos por Castilho, Píndaro e Pinheiro, Didi, Telê, Waldo, o próprio Escurinho, depois Altair e Jair Marinho. Escurinho, que acertou o travessão no último ataque de 1963 e eles ganharam o título com o empate em 0 a 0. Seis anos depois, jogando pela Portuguesa da Ilha, Escurinho venceu o Real Madrid dentro do Santiago Bernabeu – façanha jamais igualada por outro time brasileiro no estádio merengue -, e só não foi contratado na hora porque os espanhóis se assustaram com seus 39 anos à época (hoje o Flu opera nessa faixa…). Como diz o hino do rival, para o bem e para o mal, muita libra já pesou.
Depois de toda essa viagem, voltamos à programação normal. Tem Fla x Flu neste domingo, jogo em São Paulo. Estamos mal, eles não estão bem mas são melhores, o que jamais pode significar que entremos derrotados. O Fluminense de agora é muito distante daqueles de Escurinho e Hércules, quando ganhar o Fla x Flu era bem mais do que um canto de torcida. O que sei é que já fomos tão grandes que não aceito a banalização da pequenez.
Não basta apenas falar de intensidade, posse de bola ou assistências: o que a gente precisa mesmo é se reencontrar com a nossa história. Para isso, muita coisa precisa mudar e para melhor. Que assim seja nesse domingo paulistano. Cadê meu pai que não me puxa pela mão?
