Como falar de futebol? (por Jorge Dantas)

interrogação

O Brasil quer mudar.

Amigos, confesso que está difícil falar sobre o nosso Fluminense, não só devido à ausência de notícias interessantes, somada à parada do brasileirão, mas principalmente porque estamos vivendo um momento de transição da maior importância no país.

Pra não dizer que não falei de flores, o Flu está de volta ao Brasil depois de tirar férias em Orlando. Não entendi bem o que motivou (de fato) esta temporada tricolor em solo americano. Dizem que faz parte de uma estratégia de levar a marca para o exterior, associada a uma oportunidade de fazer um mergulho no treinamento técnico e tático da equipe e de valorização do grupo.

O fato é que um clube, em plena temporada, viajar para os EUA para visitar o Mickey e sua trupe é algo inusitado, mas pode ter um caráter inovador em termos de motivação dos atletas. Seria como uma espécie de premiação, como fazem grandes empresas.

O saldo dessas “férias felizes” pode ser positivo, se a viagem foi bem planejada e com objetivos e resultados pensados e controlados. Se foi só uma jogada de marketing esportivo, não saberia avaliar os resultados, pelo menos por ora, pois depende de seqüência, continuidade, para criar um vínculo na cabeça de torcedores e interesses estrangeiros.

Enquanto o Flu esteve longe da realidade brasileira as coisas por aqui estiveram e ainda estão agitadas. A juventude resolveu sair às ruas para protestar por conta de um sem fim de mazelas que afeta a população. Dentre elas a abissal dicotomia entre os estádios da Copa e a situação dos hospitais e das escolas públicas. O país sempre deu sinais inequívocos de que privilegia as classes mais ricas. O governo fala em inclusão social, mas exclui os pobres dos estádios da copa. Fala em políticas públicas, mas abandona a educação e a saúde a sua própria sorte, deixando-as órfãs de investimentos de qualidade. Professores exercem suas profissões sob imenso sacrifício, condenando a educação à ineficiência quase absoluta. Sem condições, nossos alunos, em especial de escolas públicas, se formam mal, não têm boa educação ética e moral e se tornam adultos improdutivos e ineficientes, sem mercado de trabalho. Isto quando conseguem se formar. E as estatísticas vergonhosas do governo indicam uma proximidade de erradicação do analfabetismo, como se isso fosse uma meta de que um povo pudesse se orgulhar. Ler soletrando e assinar o nome em garrancho não nos cura do mal da deseducação. Ao contrário, nos envergonha.

As faixas e cartazes de protestos abordam tantos temas que fica confuso entender o foco do movimento. Talvez, resumindo tudo, se é que é possível, lutamos pela moralização do país. E moralizar neste caso significa o fim da corrupção e uma maior responsabilidade e compromisso com a educação, principalmente, pois só através de uma formação de qualidade poderemos ver a transformação que desejamos e, finalmente, chegarmos àquele país do futuro, que tanto ouvimos na nossa infância. Compromisso com a saúde, o transporte, o trabalho e emprego também são muito importantes, pois sem pessoas formadas para produzir com eficiência e qualidade, saudáveis e tendo oportunidades de trabalho digno não mudaremos este cenário que nos assusta e nos condena à miséria permanente. A educação é ao mesmo tempo a nossa carta de alforria do jugo dos coronéis da cidade e do campo, dos sertões e das matas. E do exterior também.

O futebol, maior expressão esportiva do Brasil, sempre teve o dom de unir os brasileiros na alegria e na dor. Hoje, mais uma vez, a véspera da Copa do Mundo de Futebol desperta nossa brasilidade, só que, diferentemente de outros tempos, estamos mais conscientes e dispostos a não vivermos apenas de pão e circo. Queremos um novo Brasil, um país maior do que os vinte centavos que impulsionaram tanta gente para o protesto das ruas, antes vazias e caladas, hoje entupida de gente que se dissocia de partidos e ideologias para demonstrar toda a sua indignação contra os maus governos, os maus políticos, os maus juízes, os maus empresários e os maus cidadãos. A nova geração não quer mais estar ombreada aos impatriotas, não quer repetir os erros do passado e quer lutar pelo ideal que um dia foi de seus pais e avós, que também sonharam que, derrubando a ditadura militar, experimentariam um país de prosperidade; sonho frustrado talvez pela permissividade exagerada e pela aversão ao controle que se seguiu à distensão pós-ditadura.

Está mais do que na hora de tomarmos o país em nossas mãos e desenhar um novo Estado, em que a justiça seja plena e o progresso mais do que um slogan de bandeira.

O Brasil não é mais a tal pátria de chuteiras. Muita gente deixou de ver os jogos na TV para protestar nas ruas. O futebol deixa de ser o ópio do povo, que passa a se preocupar com seu futuro e de seus filhos e netos. Futebol é bom, mas há coisa mais importante com que se preocupar. Como expressou um dos cartazes levado à rua, “Quando seu filho ficar doente, leve-o a um estádio de futebol”.

Jorge Dantas

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

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