Chiquinho Zanzibar odeia ir às ruas! (por Alva Benigno)

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Nem parece que o Fluminense venceu e está em uma final. Chiquinho Zanzibar está em crise. Será mesmo que ele gosta de futebol? Comemorar gols de negros e nordestinos, vestindo uma camisa repleta de tradições de sangue azul, era paradoxal para ele. Como pensar que futebol seria esporte da turba popularesca de pele escura e cabeça grande?!?

A fazenda de Vassouras, que desde o áureo século 19, existia com escravos sendo civilizados pela bondade de seu bisavô. Dar a eles roupas, abrigo, e comida era um favor. Claro, assim como na Revolução Gloriosa Redentora de 1964, houve excessos. Mas não se conversa com animais! Seres superiores têm que manter a superioridade e mostrá-la de modo eficaz. Formou-se como cidadão de bem com filhos e netos de escravos, brincando aqui e acolá com seus suores, instintos eróticos e sem entender porque não conseguia engravidar. Hierarquia é uma coisa, racismo é outra! Se esses seres deliciosamente repugnantes não tornavam-se elite, por que é que coisas assim andavam a ocorrer no seu clube?

Num flash, se lembrou de quando ia ao Maracanã ver a Máquina petulante.  Anos 1970, boate New York, escondido do pai e da mãe. Gente animada, branca, sem ninguém pra incomodar. Mas também tinham os bailes proibidos no subúrbio carioca, de funk e soul music. Só de escutar a voz de Ademir Cara de Borracha ou de Monsieur Lima, seus mamilos se endureciam do mesmo modo como nos jogos da Máquina dos homens fortes e viris. Esfregava-se nas pessoas, numa espécie de delírio sexual do qual não poderia se conter. Tudo naqueles clubes cheirava a sexo e sacanagem. Liberava sua libido, sem regras de etiqueta que não fosse a do gozo multirracial entre dominantes e dominados. O cheiro da pobreza o excitava, e tinha dia que queria ser homem e mulher ao mesmo tempo. As estações de trem, se falassem, contariam muitas transas intensas de Zanzibar depois dessas catarses sonoras. Hipoglós não era suficiente, nem sentar no gelo. O farmacêutico do bairro já sabia que receberia um agrado para lhe vender o tradicional remédio para gonorreia. Gostava de tomar tapa na cara, e surra de pênis mole, com gotas de urina. Lambia os lábios. Sentia seu coração sair pela boca. O ânus duro. Sua picardia suburbana era um segredo para sua família e amigos, quanto mais os do clube.

Tinha agora essa de ir pras ruas! Fazer o quê na porra das ruas? Só isso já está errado! Conspirar, sim, claro, óbvio. Isso é coisa da gente nobre. Nas festas e nos jantares em Brasília, na Suíça, em Manhattan é que Zanzibar resolvia algumas coisas. Mas era sempre um capacho dos grandões, dos verdadeiros machos de saco roxo que mandam nas coisas. Agora, pedir golpe? Coisa de gente que compara relógios pra ver qual é o mais caro. Pedir democracia? Tipo de gente rancorosa porque não nasceu rica, que não veio ao mundo para ser uma pessoa humana. Convocar multidões para ficar gritando e xingando? Ah, meus sais… Chamar as atitudes dos homens de bem, brancos, ricos, de corrupção?

Numa espécie de micro surto, Zanzibar se lembra de, como nos anos 1980, só conseguia ir ao Maracanã ver o casal de ébano jogar por seu time depois de se aplicar um saboroso supositório de cocaína. Ali liberava suas tensões e o fazia tremer por horas, ao ponto de conseguir transar numa boa com sua esposa recatada e branca. Mas tinha um detalhe: só fazia isso escutando os discos de vinil do Trio Los Angeles e do Genghis Kahn! Isso era inegociável! Ficava com o desejo à flor da pele.

Danem-se as ruas! Dane-se a final! Dane-se a chapa única! São todas coisas de gente desqualificada, vermelha, de pele escura, que sonha com chocolate Lindt de freeshop!

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: alvah