Chiquinho Zanzibar confessou estar bem mal de saúde… (por Alva Benigno)

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Chiquinho Zanzibar confessou estar bem mal de saúde. Quando criança, fosse na fazenda de café em Vassouras, fosse no apartamento de puro andar na Zonal Sul do Rio, era atendido pelo médico da família. Doutor Astolfo curava tudo. Só não curava seus pesadelos e suores noturnos, e a baba que amanhecia na amassada fronha do travesseiro. Nos últimos anos, havia se acostumado em não pagar plano de saúde particular, só para gente de sangue azul. Sua esposa e seu casal de filhos também tinham direito a participar do genial apartheid dos cuidados médico-hospitalares em nossa enorme e generosa democracia racial. E nem queriam saber como o pai conseguia essa estranha regalia, uma vez que não exercia função remunerada alguma, muito menos era ligado ao mundo dos cuidados de si pela saúde. Viva da renda do espólio do DOI, alugando apartamentos e lojas.

Ah, mas tinham os amigos do clube, os caras da sauna, das rodas de carteado. Hum… Chiquinho conheceu um médico, um doutor, afinal de contas! Era um torcedor fanático, de pele clara, logo, um ser humano, para ele, digno de com ele entreter relações. Desses que contrariam a música que tanto o incomodava, nas tardes-noites de Maracanã: só ia de “cadeira numerada”, para jamais se misturar com a gentalha das arquibancadas! Era alguém do bem. Dizia estar acostumado em fazer fortuna em momentos da desgraça alheia, e fazia metáforas com os clubes de futebol nas divisões inferiores. Isso tocava fundo no coração de Zanzibar. Por isso, decidiu que esse nobre comerciante das doenças e do mal-estar alheios teria voz e força no seu seleto clube afrikaner. E quando Chiquinho bate pezinho, ninguém segura seu beicinho se for contrariado.

Zanzibar era também uma herança dos que melhoraram sua condição de nobreza durante a revolução redentora de 1964! Não tinha Vandré que duvidasse disso! Nenhum paintball de universitários degenerados no Araguaia foi capaz de deter a ele e aos seus!

Sua capilaridade em Brasília não era de ser desprezada, e poderia cobrar alguns favores. Era um meritocrata! Assim como ele, muitos de seus amigos do Opus Dei estavam nos corredores da Câmara e do Senado, agindo sem parar para evitar que cafuzos, mamelucos e seres de confusão sexual perturbassem a paz da high society conseguida com tanto suor das multinacionais, canais de televisão, jornais e generalatos. Ora, essas! Chiquinho se empenhou ao telefone, e nos almoços, jantares e coquetéis no DF, para barrar o avanço do Sistema Único de Saúde. Era preciso fazer a limpeza social de vez, deixando a pobrada afro-indígena-nordestina morrer. E o novo Mengele, como o chamava elogiosamente, como se o tivesse concedendo um título nobiliárquico, seria o líder disso em seu próprio clube!

Chiquinho conseguiu! Anos e anos de higienização social lhe renderam passagens aéreas, convites para festas da elite da moral e dos bons costumes, conversas sobre as novas técnicas de se usar creolina nas portarias, como lidar com vassalos nordestinos indolentes, e também como atualizar suas declarações de Importo de Renda. Sobre esse ponto, Mengele o ensinou de tudo um pouco. Afinal, como assim dar dinheiro para produzir mais pessoas indesejáveis? Não, negativo! O dinheiro tinha que ficar entre os seus, os eleitos! Se nasceram ricos, isso tinha uma propósito.

A vida de Zanzibar estava por um triz há anos. Mengele não mais comandava Auschwitz, e deu lugar a outros tantos. Mas Chiquinho, em seu pânico nodal, passou a ter que pagar planos de saúde para pessoas de casta mais baixa do que a sua. Isso já o deixava doente! Suas orelhas queimavam ao pensar quem o atendida no call center, levava sua xícara inglesa sorver café depois de fazer exames de sangue, assim como seus chocolates e biscuits do primeiro mundo. Mas ele confessou a mim que sua doença sempre se manifesta quando vê a conta e seu código de barras tinindo, na mesa da sala.

Seu dilema: pagar ou ir pro SUS?

Panorama Tricolor

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Imagem: alvb