Chega de depreciar o Carioca (por Zeh Augusto Catalano)

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Há alguns anos, nosso campeonato local vem sendo tratado pela mídia como uma visita de domingo à casa de uma tia velha e ranzinza. Um compromisso a ser cumprido, do qual não se consegue escapar, ao menos enquanto a distinta não morre. Então, grande parte dos torcedores, influenciados por essa onde depreciativa, compraram essa ideia e a repetem aos quatro ventos. Aqui mesmo neste Panorama, por exemplo.

Acho um completo absurdo.

Domingo jogam Fluminense e Vasco. Rivalidade de quase cem anos. É essa rivalidade que estimula a paixão mundo afora. Como o Brasil é um país de dimensões continentais, os times locais foram, tradicionalmente, os adversários eternos. Há uns 10, 20 anos, o clássico de domingo seria certamente jogo para 40, 50 mil pessoas. Hoje, se quinze mil pessoas (sonho!) se dignarem a ir ao Engenhão, terá sido um milagre. As pessoas simplesmente se desacostumaram a ir a jogos. A geração mais nova sequer sabe o que é isso. O pobre não pode mais pagar. Os horários são um lixo. Mesmo para a classe média, o preço é exorbitante. E a imprensa senta o pau na competição.

A semana teve um ótimo exemplo para ilustrar o que eu disse. A Primeira Liga. Vocês realmente acham que a paixão por um time de futebol vai ser alimentada por uma vitória sobre o bravíssimo Criciúma? Brasil de Pelotas? Internacional de Porto Alegre? Estes três times formam o grupo do Fluminense na competição. Que pode até ser interessante em termos de disputa esportiva, retorno financeiro, visibilidade etc. Mas não o é em termos de paixões – pelo menos não na primeira fase.

E a paixão é o que vai lotar os estádios. Ela é a razão para termos visto, semana passada, a Rua Javari lotada para assistir o seu Juventus vencer o Bragantino, pela Taça SP de Juniores. Uma cena emocionante.

Felizmente começam a pipocar em vários cantos do planeta reações ao atual estado das coisas. O Tottenham, da Inglaterra, está construindo um estádio novo, o mais moderno do país, com camarotes de altíssimo luxo, cujos ingressos custarão fortunas. Do lado oposto do campo, atrás de um dos gols, ficará um setor popular para 19 mil pessoas, sem divisões, idêntico ao da muralha amarela do Westphalen Stadium, do Borussia Dortmund. Também serão mantidas as distâncias para o campo de jogo. Ao contrário destas assépticas Arenas Fifa, a distância da primeira fila de assentos para o campo será de oito metros.

Por aqui, a obra que o Flamengo faz no estádio dos Ventos Uivantes, na Ilha do Governador, contempla a criação de uma geral atrás de um dos gols, para que a sua torcida possa voltar a frequentar o estádio. Já se pensa em movimento idêntico no Maracanã, literalmente entregue às baratas.

Todos esses movimentos são como um passo atrás no tempo, uma tentativa, ainda incipiente, de se resgatar a paixão e o glamour dos jogos de futebol. Quem é mais velhinho vai se lembrar que, há uns 20 anos, o carnaval de rua do Rio estava morto e enterrado. Não existiam mais blocos. Nada. Só o desfile da Sapucaí. A crise financeira que se abateu sobre o país impediu as pessoas de viajarem. O resultado colateral foi a ressurreição da festa de rua, até chegarmos nisso que vemos hoje no Rio. Portanto, acredito piamente na recuperação do nosso futebol. Mas não sem um Campeonato Carioca forte, cheio de charme, com América, Bangu, Campo Grande, Bonsucesso, São Cristóvão, Olaria, Goytacaz e Americano atrapalhando a vida dos grandes. E com grandes clássicos.

Pra terminar, uma perguntinha: Se, Deus livre e guarde, o Mengão for o campeão carioca deste ano, o Carioca volta a ser o torneio mais importante do país. Vocês têm alguma dúvida disso? Eu não.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Imagem: catal

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1 Comments

  1. Muito bom, Zeh. Assino embaixo. O Brasil é um país dimensões continentais, então os campeonatos estaduais são de muita importância. Claro que o período de duração destes deve ser pensado de forma adequada no calendário, sem se estender por mais de três meses. Inclusive o campeonato brasileiro, na minha opinião, é muito extenso, deveria ser disputado por 16 ou 18 times.

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