Amigos, amigas, fui dormir na noite de ontem com a impressão de que o Roteirista voltou. Se alguém me perguntasse qual foi o destaque do duelo entre Argentinos Juniors e Fluminense, diria que foi o roteiro eletrizante.
Curiosamente, doze anos atrás presenciáramos uma dessas obras primas do Roteirista numa partida contra o mesmo adversário, que nos rendeu a emocionante classificação para as oitavas de final da mesma Libertadores daquele ano. Na ocasião, o Fluminense venceu por 4 a 2, após estar empatando até meados da segunda etapa, e arrancou vitória espetacular nos últimos minutos, com direito a bola na trave e goleiro evitando golaço de Fred.
Precisávamos vencer por dois gols de diferença e o fizemos de forma dramática, com direito a gol de pênalti sofrido pelo volante Edinho.
Dessa vez, tivemos roteiro eletrizante, de paralisar e estarrecer a plateia tricolor. Podemos ter ou não gostado do jogo, podemos reclamar da escalação de Diniz, podemos qualquer coisa, até dizer tudo ao contrário, só não podemos dizer que passamos incólumes por aqueles noventa minutos de adrenalina lá nos píncaros. Foi um roteiro de envolver, emocionar e desesperar a plateia do início ao fim.
Os primeiros quinze minutos do Fluminense, como já virou rotina, foram de alarmar. Muitos erros de passe, excesso de espaço cedido aos meias argentinos, descompactação em campo e distância angustiante do gol adversário. Com nossa defesa batendo cabeça, sofremos o primeiro gol muito rápido e ainda demoramos um pouco para encontrar alguns rudimentos do nosso modelo de jogo.
A partir dos 15 ou 20 minutos, começamos a ganhar o meio de campo e a encontrar o caminho para a zona de risco argentina. Tivemos três jogadas de perigo, com boa construção, mas que terminaram com decisões ou conclusões duvidosas. O nosso espasmo de alegria durou pouco, no entanto, pois mais à frente foi o Argentinos Juniors, ainda agraciado com os espaços generosos na nossa intermediária e a bateção de cabeça da nossa defesa, que só parou, em duas ocasiões, nas mãos de Fábio, que nos salvou de um desfecho constrangedor dos primeiros 45 minutos.
Vem o segundo tempo e Diniz persiste com a escalação inicial, até que ocorre a cena de horror, que foi o produto da disputa entre Marcelo e o defensor argentino. Era uma bonita jogada do nosso lateral, que já se livrara de dois marcadores e já aplicava mais um drible para abrir um latifúndio na marcação argentina. O drible, cheio de estilo, foi bem sucedido, mas o movimento de Marcelo, certamente, para apoiar o pé, e, possivelmente, para proteger o espaço, acabou se tornando o pior momento da Libertadores até agora. Ao tentar apoiar o pé no chão, encontrou a canela do adversário, que tentava desarmá-lo com um carrinho. Não vou descrever mais da cena, porque todos devem ter visto.
Houve intenção maldosa de Marcelo? Decerto que não. A expulsão foi justa? Vi uma decisão mais política, do que técnica. Entre o político e o técnico o justo ficou para a interpretação de cada um. Foi o que a equipe de arbitragem teve que fazer: interpretar.
O jogo já tinha tintas carregadas. Após o lamentável episódio, o Fluminense passou a jogar com menos um, perdendo de um a zero, contra um time rápido, intenso e com boa técnica, jogando diante de sua barulhenta torcida. Um pesadelo perfeito, uma jogada formidável do Roteirista.
Diogo Barbosa entrou no lugar de Ganso para recompor a lateral. De início, parecia que o adversário se aproveitaria da vantagem numérica, mas foi só impressão. Foi o Fluminense quem se agigantou em campo. Já tinha criado duas grandes oportunidades, mandando duas bolas na trave, quando Cano fez jogada formidável. Depois de parar o tempo para o deslocamento de Diogo Barbosa em direção às costas do marcador, acertou lançamento perfeito. Desesperado, o goleiro saiu da área, mas, vencido pelo toque do lateral tricolor, atropelou Diogo Barbosa e o que mais houvesse pela frente. O árbitro não pensou duas vezes e mandou o goleiro para o chuveiro.
Reparem no talentoso jogo do roteirista, na incrível virada de perspectivas. Com mais cerca de 20 minutos pela frente, o Fluminense passaria a enfrentar um adversário com um goleiro improvisado, já que o técnico argentino havia feito já todas as substituições a que tinha direito.
O verde da esperança invadiu os corações tricolores, elevando as expectativas ao sonho de uma virada histórica, que começou a se desenhar no gol de Samuel Xavier, testando o goleiro improvisado de fora da área e acertando o ângulo direito com um chute improvável.
Havia igualdade numérica, mas o Argentinos Juniors não podia se arriscar no ataque e deixar espaços para o Fluminense chutar em gol. Inteligentemente, os argentinos passaram a atuar em bloco médio baixo, fechando os espaços entrelinhas, não permitindo ao Fluminense o arremate consagrador. O gol da virada acabou saindo de um cruzamento diagonal primoroso de Diogo Barbosa. Leo Fernández se atirou na bola e marcou, mas o bandeira anulou e o VAR confirmou a anulação, sem que eu até agora tenha me convencido de que a posição era ilegal na hora do lançamento.
Terminamos a brincadeira com aquela sensação de êxtase, não pelo espetáculo, em si, mas pelo roteiro envolvente e avassalador. Que venha o próximo e decisivo episódio no Maracanã, na próxima terça. Haja coração!
Um bom roteiro é aquele capaz de provocar sensações controversas. O saldo do que vimos ontem foi um misto de alívio e frustração, uma combinação improvável em um mesmo pacote, que só os gênios são capazes de provocar.
Vou deixar as escolhas de Diniz para outra ocasião, mas já adiantando que elas poderão nos custar caro.
Saudações Tricolores!