… as orações subordinadas são sempre mais importantes, em se tratando do barroco, na sua obsessão em preencher o espaço vazio, inclusive as margens, ainda que correndo o risco de se perder no caminho e nunca mais voltar ao ponto em que se bifurcou, se transformando assim num emaranhado de subordinadas em rodopio, ziguezague, silêncio, dentro das quais, a linha reta se transforma em cornucópia e o negócio, volúpia, ócio, prazer, do que a oração principal, pois, quando esta é concluída, a gente nem sabe mais o que quis dizer e continua em fuga, penetrando em atalhos, picadas, becos sem saída, caminhando em círculo, avançando sempre sem sair do lugar, até que, por uma questão meramente formal, enfiamos um ponto e o ratificamos e mais uma vez o duplicamos, com a sensação de que existia um pensamento por trás de tudo isso, algo como “as orações subordinadas são mais importantes do que a oração principal”, e no entanto somos dispersos e qualquer hipótese sobre a origem deste texto não passaria de mero delírio, pois o que temos são frases sobrepostas que, por uma convenção de tempo e espaço, tipicamente ocidental, as dispomos de maneira linear, da esquerda para a direita, mas que poderia ser lida ao contrário ou de maneira vertical, de cima para baixo ou de baixo para cima, ou de forma circular, o que nos levaria ao final que é o seu início, “as orações subordinadas são sempre mais importantes, em se tratando do barroco, na sua obsessão em preencher o espaço vazio…” e, por mais que se abandonassem as aspas, elas seriam mantidas de forma invisível, o que me leva a pensar num processo contínuo de citação, seja dos outros ou de si mesmo, nesse grande texto, do qual, todos os outros, inclusive os que estão por vir, fazem parte, se imbricando um no outro, como uma grande malha, espelhando, despedaçando, recombinando, o que me leva a pensar numa transformação limitada pelo contexto e justificando o sentido da palavra “impossível”, o que não significa dizer que não possa haver mudanças, diferenças, inclusive aquelas mínimas, microscópicos filamentos que ninguém vê, quase nada, mas que interferem no conjunto, e foi assim que paulatinamente fui me transformando em mulher, contra todas as evidências, como a minha piroca rosa e alguns traços bem masculino, tendo, no entanto, há muito tempo, iniciado um longo processo de troca de gênero, me sentindo assim mais leve, mais em paz, ainda que esse processo seja um paradoxo porque um corpo de homem e um espírito de mulher embaralha até o diabo, assim como essas orações subordinadas, mas liberta também, foge de uma coerência imposta, circunscreve, tangencia, introduz uma perpendicular de 90 graus, indo em outra direção àquela da reta, agregando novas perspectivas e se derramando em torno, porque esse é o negócio, como a água de uma cheia, a onda de um Tsunami, ou mesmo esse texto, que você lê agora de forma convencional porque aí se trata dos códigos culturais, mas nada impedindo que você o leia pulando uma linha, ou duas, ou conjugando a primeira e a última , até chegar à linha do centro, que pode estar transcrita ou permanecer invisível, dependendo da quantidade de linhas, e daí fazer o caminho de volta, retornando à primeira e à última, e fazendo surgir novas imagens nesses processos de leitura não convencionais, e permitindo muitas vezes que uma oração subordinada tome o lugar da principal, criando assim um processo dinâmico, do qual, a consciência tem pouco controle, e deixando que o texto, por um processo autônomo, tome direções alheias a nossa vontade, até que, após infinitas combinações, retorne ao que havíamos pensado antes, por pura coincidência, repetindo assim aquele início de texto, segundo o qual, as orações subordinadas são sempre mais importantes do que alguma coisa, sem que esta possa estar clara para nós, remetendo-nos sempre para o mundo das sombras, das conjecturas, dos cálculos, das possibilidades, até virmos a encontrar, em meio aos fragmentos do texto, os sinais de que as orações subordinadas são sempre mais importantes que a principal, e ainda assim, é muito pouco, uma vez que, enquanto frase-morta, não diz o que só poderia dizer através das voltas, das elipses, dos labirintos que não nos levam a lugar algum, o que me faz lembrar a frase de um guitarrista famoso, segundo o qual, um disco, a gente nunca acaba, a gente abandona, sugerindo, ao invés do ponto final, alguma coisa a mais, que não poderia ser dois pontos porque eles instauram uma definição, uma tautologia que só as reticências são capazes de abrir, instaurando um mundo de sombras, de cálculos, de possibilidades, e isso tudo significa exatamente isso, andar em círculo sem sair do lugar, o que significa todo dia sentar nesta mesa sem nenhuma perspectiva de mudança, e ler, reler, transler, até que um dia, quando o Fluminense for campeão ou quando a indesejável das gentes, mas enquanto ela não vem, vou continuar de maneira ininterrupta me embrenhando nessa floresta de signos, como se fosse um suicídio agradável, morte sem dor, dia após dia numa transversal, que é a vida vista pela janela sem a opção de fechá-la porque é toda de vidro e não tem cortina, o que não deixa de produzir uma certa serenidade e a relativização de tudo, uma espécie de universo paralelo que as reticências e as frases subordinadas fazem produzir, sem se entregar jamais, uma resistência que só os espíritos mórbidos e os grandes preguiçosos são capazes, daí a transformação de gênero, tendo, como grande referência, as mulheres passivas, com mãos pequenininhas e pouco firmes, os pés pra dentro, lesadas, lerdas, solitárias, meio burras, feitas para se passar o rodo, sonhadoras, sonolentas, modelo dessas frases subordinadas, incapazes até de fazer um café (conheci uma que fez café como se fosse chá, sem usar coador, e serviu para a visita), mulheres sempre derramadas, impingindo uma perspectiva menos lógica, mais confusa, com frases cheias de “se”, “como”, “às vezes”, “…”, dando voltas em torno do mesmo lugar, não dizendo coisa com coisa, irritando o espírito prático, e pouco se fudendo pro outro (quem pensa um dia contar com essa espécie, vai dar com os burros n’água porque esse grupo, assim como esse texto, não foram feitos pra ajudar ninguém), lembrando autistas e capazes de levar seus torturadores ao desespero porque, impingidas de sofrimento, sentem prazer, fazem muxoxo, viram a bundinha e não morrem nunca, sempre acompanhadas por esses três pontinhos, seus fiéis escudeiros…
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Panorama Tricolor
@PanoramaTri @rogerioskylab
Imagem: tolom
Grande mestre Skylab! É indubitável que a torcida do Fluminense é diferenciada e que estamos sempre tentando “preencher esse espaço vazio” do decadente futebol brasileiro. Ao descrever a mulher submissa, nota-se uma semelhança absurda com o time atual do tricolor, veja:
“(…)lesadas, lerdas, solitárias, meio burras, feitas para se passar o rodo, sonhadoras, sonolentas, modelo dessas frases subordinadas, incapazes até de fazer um café (…) irritando o espírito prático.”
Um grande abraço