Os dez mil de sempre e a volta à arquibancada tricolor (por Aloisio Senra)

Tricolores de sangue grená, passar um fim de semana sem ver o Fluminense jogar é melancólico. Mesmo que o futebol esteja perdendo a graça ano a ano com a disparidade financeira absurda que já está aí e só tende a aumentar, finalmente culminando com a tal “espanholização” do futebol brasileiro que já se advertia há tempos, é como passar o sábado e o domingo sem sequer ver a pessoa amada. Ainda que a realidade esteja uma merda e não saibamos exatamente pelo quê exatamente torceremos (em termos de conquistas esportivas) a partir de agora, o Fluminense continua sendo o estandarte que amamos. Isso não quer dizer, é claro, que devamos aceitar com tristeza e conformismo o fato de hoje, início de outubro, não termos mais qualquer pretensão de título em 2021. Por mais uma temporada, o Fluminense deixa de cumprir sua vocação, se afastando de seu destino a contragosto de sua apaixonada torcida. E que lições isso pode nos deixar exatamente? Depende do ponto de vista.

Haverá os que vão alegar que os tempos são outros, que não temos mais como estar no páreo por conquista nenhuma pois o momento é de reconstrução. A velha história do “tem que arrumar a casa” primeiro. Mas a final da Copa Sul-Americana, competição em que batemos na trave, é entre Bragantino e Athletico-PR. Eu tenho certeza absoluta que o Fluminense de hoje seria favorito contra as duas equipes se estivesse nessa final. É claro que não dava pra disputar a Sula sem desistir da Libertadores, e nem é isso que eu prego que o Fluminense tivesse feito. O meu ponto é que não podemos simplesmente desistir no começo da temporada. O planejamento do ano de 2022, confirmando-se mais uma disputa de Libertadores do Fluminense, não pode começar com um treinador meia-boca como Roger Machado, tampouco com contratações bizarras no fim do período de inscrição para a temporada. É impossível afirmar que não daria de qualquer maneira se não foi feito o suficiente para proporcionar a melhor condição possível para chegar. Se fosse o Marcão em Guayaquil, o Fluminense seria semifinalista da Libertadores.

Enfim, o planejamento para o ano que vem tem que começar por agora, e não sei se já começamos bem. Ainda que notícias auspiciosas, como a contratação de David Duarte, que parece bom zagueiro – a despeito de seu empresário – e a cada vez mais palpável não renovação de Egídio possam nos dar algum alento, a ida do bom zagueiro Higor para um time do Azerbaijão, o escanteamento dado a Luan Freitas e a insistência com Manoel, David Braz e Matheus Ferraz, três zagueiros veteranos e com salários altos, me deixa com uma pulga atrás da orelha. É com isso mesmo que vamos pra mais uma Libertadores? Será que Nino fica? Quem mais pode sair e, se saírem, como vamos repor? A lógica de aproveitamento da base e do critério para contratações vai se alterar ou permanecerá esse show de horrores que vimos em 2021? Essas perguntas poderiam facilmente estar numa coletiva, mas Mário normalmente consegue se esquivar delas. Entretanto, seus dias de paz estão acabando.

O jogo da 24ª rodada, Fluminense x Fortaleza, realizado no Maracanã, terá público. Após muita espera, finalmente o torcedor tricolor voltará a ocupar o espaço que é seu, apenas seu. Há muita discussão em torno de se o momento para a volta do público é apropriado ou não, se os protocolos fazem sentido, se não deveria liberar apenas para os que estão com as duas doses da vacina (e com o tempo para que elas tenham sido eficazes), mas fato é que o processo será quase irreversível. Dificilmente – a menos que o quadro da pandemia piore muito, o que é difícil de imaginar com a vacinação já em larga escala – os jogos voltarão a não ter torcedores. E bem… como sabemos, a arquibancada é o termômetro fiel do que aceitamos ou não. Jogadores que não devem mais ser escalados ou usados como opção no banco não serão poupados pelo torcedor, e os apupos virão com força. As falas do presidente e dos membros da diretoria agora serão respondidas em uníssono nas arquibancadas de forma pouco educada. As coisas vão mudar.

Inicialmente, a presença será pequena. Os protocolos são confusos, os testes são caros, a falta de praticidade para acessar o ingresso afastará muita gente – e os preços para o torcedor comum estão completamente fora da realidade de um país em crise com uma inflação crescente. Mas os sócios e os torcedores abnegados preencherão o nicho dos “dez mil de sempre”, que poderá aumentar para vinte ou trinta mil de sempre eventualmente se a diretoria cumprir suas promessas de recompensar os que se mantiveram como associados fiéis durante o período sem jogos. Mas que Bittencourt e Cia não se enganem: a torcida está farta de apoiar o time na fuga de rebaixamentos ou na conquista de posições honrosas/vagas para competições sul-americanas. Isso é o mínimo, é a obrigação. A torcida quer títulos. Queremos time para brigar por títulos. Não aguentamos mais passar um ano inteiro sem um lateral-esquerdo que preste no time titular. O ano que vem não pode acabar como esse. Chega.

Curtas:

– Dá pra montar um time que faça frente aos melhores do Brasil sem precisar de uma montanha de dinheiro, sim. A diferença é que o espaço pra errar não existe numa situação assim. Não dá pra agradar empresário a quem você deve, empresário que aliciou seu atleta em Xerém, empresário parente de membro da diretoria e ainda conseguir montar um time competitivo. Urge priorizar a nossa grandeza, e a torcida tem que cobrar. Chega de vitrine, tá na hora de troféu.

– Vejo muitas críticas ao Marcão e o pedido urgente por um novo técnico. Entendo, mas pontuo: se não vier um cara que realmente esteja se destacando, oferecendo um salário alto (como os 750 mil que oferecemos pro Daniel Alves), esquece, melhor deixar o Marcão mesmo. E note, não é tão fácil quanto imaginávamos. Os melhores nomes estrangeiros no Brasil hoje (tirando o Abel Ferreira), Crespo (do São Paulo) e Vojvoda (do Fortaleza) já rateiam. Como vimos, a escolha do treinador define o ano do clube. Escolhemos erradamente Roger Machado e saímos mais uma vez de mãos abanando. É hora de acertar em cheio.

– Palpites para as próximas partidas: Fluminense 3 x 0 Fortaleza; Fluminense 4 x 1 Sport.